Como Guedes/Weintraub tergiversam sobre o Chile

O Ministro da Economia tem afirmado que o Chile é um exemplo de sucesso pois seu PIB – produto interno bruto – é alto. Idem a renda per capita. Ele atribui a alta ao modelo neoliberal. O Ministro da Educação, Weintraub, fez afirmação semelhante quando comparou o Brasil com outros países desenvolvidos, ao participar do Congresso de extrema-direita em Foz do Iguaçu, antes de ser nomeado. De fato, a história não é bem assim.

O PIB é a soma de todos os produtos e serviços produzidos dentro de um país, mas ele não diz quem se apropria dos resultados econômicos desta atividade produtiva global. Ou seja, o PIB não é um indicador da desigualdade social existente em um país e dessa forma, não mede o bem-estar social da população de um país. O mesmo vale para a renda média per capita.

Outro economista, Heather Boushey, diretor executivo e economista chefe do Washington Center for Equitable Growth, explica esta limitação tomando os Estados Unidos como base:

“A economia [americana] está ficando maior, mas não melhor. Não para a maioria dos americanos, pelo menos. Nos Estados Unidos, a receita adicional de produtividade e crescimento vem sendo maioritariamente para aqueles que estão no topo da escala de renda e riqueza. Entre 1979 e 2016, a renda nacional dos EUA cresceu quase 60%, mas depois de contabilizar impostos e transferências, a metade inferior da distribuição de renda registrou aumento de renda de 22%, enquanto os 10% mais ricos tiveram ganhos de renda quase cinco vezes mais – 100%.”

E complementa:

“Essas tendências são invisíveis quando analisamos as métricas mais básicas que nós usamos para medir o sucesso econômico. Uma dessas medidas – na verdade, talvez a mais importante seja o produto interno bruto, que é a soma total de todos os bens e serviços produzidos dentro das fronteiras de uma nação. Embora não tenha sido construído para medir o bem-estar – é uma medida agregada da renda, não do bem-estar das pessoas – é a abreviação dos formuladores de políticas para o estado da economia do país. Mesmo que quem ganha com o crescimento se torne cada vez mais desigual, olhando para o PIB, vemos que desde 1979, a economia americana cresceu a uma taxa constante de 1,2% ao ano, levando muitos a pensar que não há nada de errado.”

Leia toda a análise aqui no Guardian.

Importante registrar, portanto, que o PIB não diz com quem fica a riqueza produzida. É importante desmistificar tais argumentos dos Ministros, pois como eles são argumentos matemáticos e estatísticos, chegam à população com uma auréola de verdade incontestável. Como vemos não são.

E a educação no Chile que, certamente, para o Ministro será usada mais à frente para justificar sua ideia de colocar vouchers para todos e exterminar a escola pública?

O Chile, seguindo os Chicago boys neoliberais que pensam como Guedes, privatizaram mais de 50% da educação básica com escolas subvencionadas (privadas) regadas a dinheiro público com vouchers.

O maior experimento social com vouchers é o do Chile, iniciado com a ditadura militar do general A. Pinochet implantada em 1973 e com ajuda de neoliberais como Friedman, Hayek e Buchanan. Hoje sabemos que o Chile se tornou, sob estas políticas, mais segregado (UNESCO, 2017, p. 23).

Um estudo de Treviño et al (2018) examinou 56 estudos empíricos sobre o uso de vouchers no Chile. Os resultados indicam que as “famílias [de classe média] não escolhem as escolas, mas são as escolas que escolhem as famílias e estudantes. Os pais podem escolher apenas onde entregar um pedido de matrícula; se o candidato for aceito, as famílias de classe média têm o “privilégio” de complementar o voucher com recursos próprios e pagar por uma escola de maior demanda” (p. 4).

Em relação aos estudantes mais pobres, “a competição os relegou a escolas de baixo desempenho e altamente segregadas. ” Apenas 10% dos estudantes desfavorecidos usam vouchers para frequentar escolas privadas (Pons, 2012). Para escapar a esta situação os pais destas crianças precisam ter mais capital econômico e social. “No entanto, as famílias mais pobres que não têm esses recursos não têm outra opção senão matricular-se na escola pública local – o padrão para aqueles que não têm nada a oferecer além de seus vouchers” (Treviño et al, 2018, p. 4-5).

Mas, além de não resolver os problemas de segregação, os vouchers adicionaram problemas graves: “estudantes em condições de discriminação e exclusão generalizada; baixa confiança pública; foco em habilidades acadêmicas visíveis e uma negligência que acompanha a educação cívica; e um profundo desconforto estudantil” (p. 5).

Os pais, principalmente os de menor renda, precisam ser alertados sobre as promessas não cumpridas pela reforma empresarial da educação. Proclamam que todos os pais poderão escolher escolas de melhor qualidade, mas o que desejam é retirar as crianças da classe média alta e superior das escolas públicas, destruir o sistema público de educação deixando os mais desfavorecidos na mão das piores escolas terceirizadas ou privadas para pobres.

No Chile, a reação de pais, professores e estudantes está revertendo este quadro. Não há razão alguma para implementarmos tais ideias por aqui.

Há uma outra lenda sobre o Chile que afirma que as reformas neoliberais na educação produziram a melhor educação da América Latina. Mas sobre isso trataremos em outro post. Basta ver, por ora, que o suposto melhor sistema de ensino da América Latina, o chileno, é um dos mais segregados do mundo (econômica e pedagogicamente). Só por isso, já deveríamos desconfiar.

(Obs.: a bibliografia citada está disponível na página “Bibliografia” neste Blog.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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