Postado originalmente na Uol em 1/09/2010
O movimento Todos pela Educação conseguiu aglutinar em torno de si um conjunto de entidades (ver abaixo algumas delas) que lançaram em Brasília a Carta Compromisso (mais uma) visanso sensibilizar os candidatos a presidente para as questões da educação.
Curioso ver no mesmo barco (o de uma educação etérea e sem definição ideológica, como se isso fosse possível) o Todos pela Educação – que reune a nata do capitalismo no Brasil – com entidades como:
Associação Nacional de Política e Administração da Educação – Anpae
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – Anped
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Centro de Estudos Educação e Sociedade – Cedes
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE
União Nacional dos Estudantes – UNE
A carta em si é uma despolitização total da questão da educação. A ilusão destas entidades é que, despolitizando o texto, consigam passar suas posições. Mas quais? Dirão, certamente que “foi o possível no contexto dos embates políticos”… Mas como não existe vácuo ideológico, ele é apropriado no momento seguinte por aqueles que detêm o poder político e econômico e legitimado por todos.
Basta ler o editorial da Folha de São Paulo sobre esta Carta. O Editorial é politicamente mais claro e neste sentido termina sendo mais avançado que a própria Carta das entidades. Ele está no próprio site do movimento Todos pela Educação. O que podemos ver neste Editorial é o bisturi político da Folha operando para retirar da Carta o que lhe interessa. Depois de louvar o objetivo de aumentar as verbas para a educação – afinal o mercado educacional está esperando – a Folha diz:
” …o acréscimo de recursos precisa estar vinculado a objetivos determinados e ao aperfeiçoamento da gestão, sob pena de desperdício. Outros objetivos também suscitam reserva, pois os meios de alcançá-los não se mostram tão consensuais quando poderia parecer. Além da parcela do PIB, são eles: valorização dos profissionais da educação, gestão democrática das escolas e aperfeiçoamento das políticas de avaliação e regulação. (…) E conclui o Editorial: “todos os candidatos deveriam subscrever o compromisso, ainda que fazendo as ressalvas cabíveis no que respeita à aplicabilidade e explicitando que interpretação dariam aos princípios sujeitos a controvérsia”.
Leia a matéria em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3108201001.htm
Acho bem mais objetiva e honesta a posição da Folha. Pelo menos dá concretude ao debate no campo político/ideológico e retira a Carta de um mundo apolítico em que as entidades educacionais se enfiaram.
Comendo pela mão do Todos pela Educação, as entidades citadas estão brincando com fogo e fornecendo justificativa para a leitura mercantilista que este movimento tem da educação. Basta olhar para seus apoiadores.
Destaco quatro questões da Carta para ilustrar o que digo:
1. Diz o texto que um dos pilares deveria ser a instituição de “consequências legais inerentes ao não cumprimento das respectivas responsabilidades pelos entes federados”.
Note que a questão da educação é colocada em tom punitivo. Isso pede avaliação, já que a punição aos entes nunca poderá ser sem fundamento, portanto, deverá haver um processo de avaliação. A própria Carta falará sobre isso como veremos mais adiante, em detalhe. Por acaso não é isso que o No Child Left Behind fez nos Estados Unidos e abriu um mercado educacional fantástico para produção de materiais e de avaliação ao nível nacional? Os Estados que não demonstram estar progredindo em direção às metas fixadas são punidos com perda de recursos. Como não querem perdê-lo “dão um jeito” de mostrar que estão avançando… Notas são infladas, exigências são reduzidas.
2. Sem nenhuma cautela, as entidades endossaram na Carta que os entes federados “devem implementar de forma integral e imediata, a Lei N° 11.738/ 2008, que determina o Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica. Complementarmente, até o ano de 2014, os mesmos devem produzir leis e políticas públicas capazes de estabelecer Planos de Carreira e Remuneração que tornem a educação uma área valorizada e atrativa profissionalmente”.
No mínimo isto teria que ser circunstanciado. As entidades teriam que ter indicado, até porque a CONAE assim o aprovou, que serão contra quaisquer vinculação das politicas de remuneração com premiações (bonus) ou castigos. Curiosamente, a CONAE é amplamente citada na Carta quando convém legitimar outros aspectos.
3. Diz a Carta que se deve “criar programas de fortalecimento da gestão democrática, por meio da necessária estruturação dos conselhos escolares, municipais, estaduais, distrital e nacional de Educação, garantindo a participação de toda a comunidade na gestão educacional, especialmente dos estudantes;
Novamente aqui, vive-se no mundo das idéias. Os Estados Unidos desde 1920 implementam esta política. Lá, tais conselhos serviram para abrigar homens (e mulheres) de negócio em tais conselhos, os quais desfiguraram a política educacional americana e a transformaram numa atividade regida pelo mundo dos negócios.
Seria necessário aqui, investir contra a mercantilização da educação, no mínimo.
E finalmente:
4. Aperfeiçoamento das políticas de avaliação e regulação: é preciso avançar nas práticas nacionais de avaliação, aprimorando a regulação e fortalecendo o controle social na Educação pública e privada. Na Educação Básica: aperfeiçoar os sistemas de avaliação existentes por meio de três esforços complementares. (1) Examinar de forma mais ampla os resultados obtidos nas avaliações, aprofundando a análise de dados sobre os diferentes níveis de aprendizagem entre os estudantes de uma mesma escola ou rede pública. (2) Relacionar os resultados das avaliações, com outras informações pertinentes às políticas educacionais, tais como: insumos existentes nas unidades escolares, formação e remuneração dos profissionais da educação, mecanismos de participação na gestão escolar da referida escola, nível de escolaridade dos pais de alunos, além de dados socioeconômicos do entorno. (3) Produzir relatórios que devem ser debatidos por toda comunidade escolar nas escolas e nas esferas de tomada de decisão das redes de ensino. No Ensino Superior: fortalecer e aprimorar o sistema de avaliação das instituições de ensino, para elevar os padrões de qualidade. Deste modo, é imprescindível aperfeiçoar a regulação das Instituições de Ensino Superior públicas e privadas.
Além deste item padecer dos mesmos problemas já ditos em relação aos anteriores, nada se fala contra o uso de testes de alto impacto na educação, nada se fala contra tomar decisões sobre a vida das pessoas a partir de uma única medida de seu desempenho.
A pergunta é: porque a questão da avaliação entra aquí? Os liberais não discordam em nenhum momento do horizonte traçado na Carta para a política pública de avaliação. Apenas alertam que têm sua maneira de ver a questão. O Editorial da Folha faz isso. E nós: que visão temos destas afirmações descontestualizadas. Até o Nacional Center for Educational Statistics americano concordaria com isso. Aliás se o INEP fosse competente, bastaria copiar o formato dos relatórios que ele faz para o NAEP americano.
Os ingredientes estão dados: sobre a base da idéia de punir quem não cumprir metas – a tal da Lei de Responsabilidade Educacional (No Child Left Behind brasileira, nos Estados Unidos a lei tem algo em torno de 1000 páginas), articulam-se as outras idéias: remuneração de professores (preferencialmente por bonus) e conselhos escolares abertos à “comunidade” dos negócios – tudo isso regido é claro por um sistema de avaliação regulatório eficaz.
Eis o modelo de política pública que as entidades estão referendando, em nome da CONAE sem sequer ter assinalado timidamente uma divergência explícita.
Isso não é participação é capitulação…
Deixa Dilma à vontade para fazer a política liberal e deixa os liberais à vontade para cobrar de Dilma a política deles.