Aprendendo com a política dos outros

Alguém me perguntou outro dia por que perco tempo com a política educacional americana. Segundo esse interlocutor, há políticas mais adequadas em outros países que poderiam dar uma visão mais ampla do que fazer.

Correto. Finlândia é um exemplo e temos tratado dela aqui. No entanto, há uma razão metodológica e uma política para me preocupar com os americanos.

A razão metodológica é que quando você quer compreender o desenvolvimento de um fenômeno que estuda é útil verificar como ele se comporta em locais onde ele existe em nível mais desenvolvido. Por exemplo, para entender o capitalismo e formular suas leis de desenvolvimento, Marx valeu-se muito do nível de desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra, onde se encontrava mais avançado.

Encontram-se os princípios para analisar outras realidades, não para transpô-los automaticamente para elas. São os princípios que importam mais do que a forma que tomam em um dado local. A forma local sempre precisa ser objeto de análise específica. Portanto, para pesquisar a aplicação da política dos reformadores empresariais ao caso brasileiro, ajuda encontrar princípios em locais onde o fenômeno está mais adiantado.

A argumentação pode ser resumida assim: se compreendo o princípio e meio de funcionamento do mais desenvolvido posso entender melhor o que está em forma menos desenvolvida. E esta é a nossa situação. Como estamos na pré-história da política dos reformadores empresariais da educação no Brasil, portanto, verificar o desenvolvimento desta política na América, onde ela tem pelo menos 30 anos, pode nos dar pistas do que vamos enfrentar e de como operam.

Nos interessam também as pesquisas que foram desenvolvidas ao longo deste tempo mostrando virtudes e problemas das políticas dos reformadores. A reação americana a estas políticas empresariais gerou pesquisa e argumentação baseada em evidência que demonstra que, depois de 30 anos de aplicação, não realizaram o que propuseram. Ao contrário, há um enorme contingente de efeitos colaterais. Conhecer e divulgar tais estudos e consequências pode alertar-nos para as eventuais consequências que estaremos tendo ao aprofundar tais políticas. De certa forma, é um atalho baseado no fato de que, com as devidas cautelas, podemos aprender com a experiência dos outros.

Do ponto de vista político, é uma forma de influenciar nos destinos do desenvolvimento destas ideias no Brasil as quais são, em geral, apresentadas como panaceias educacionais para o país, sem documentação das evidências empíricas ou com evidência empírica de baixa qualidade sem revisão de pares.

A mesma formulação vale para justificar nosso interesse na Finlândia ou outros países que são a antítese da política americana. Nestes países também a política se encontra mais desenvolvida do que no Brasil. Aqui é preciso uma consideração adicional: um argumento preferido pelos reformadores para desqualificar nosso interesse pela Finlândia é dizer que ela é um país muito pequeno e que não serve de referência para o enorme Brasil.

Esta argumentação revela um erro de compreensão: são os princípios e não a forma que contam. O que nos interessa na Finlândia é o mesmo que nos interessa nos Estados Unidos, ou seja,  é o princípio e meio de funcionamento de sua política e as pesquisas sobre as consequências que gera ou não gera. Isso, não tem nada a ver com o tamanho de um país. Tamanho diz respeito à forma.

Os mesmos que recusam a Finlândia por ser pequena, não ficam nem vermelhos ao aceitar a inclusão da cidade de Shangai (China) no PISA como se ela fosse ou representasse a China toda em confronto com os outros países.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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2 Responses to Aprendendo com a política dos outros

  1. Avatar de MARIA ESTELA SIGRIST BETINI MARIA ESTELA SIGRIST BETINI disse:

    Texto fundamental para quem trabalha em escola ou na política de educação municipal, os princípios é que nos dão as bases e indica os caminhos a seguir, são nossos alicerces. A metodologia de Marx a que Freitas se refere também é aplicável para se definir o trabalho dentro da escola ou município. Há sempre o ranço de que um trabalho que foi realizado em outro local ou outra época não serve para onde estamos. Não importa a forma, como diz Freitas, olhe para os princípios estes sim podem ser seguidos. Parabéns pela clareza em tão poucas palavras.

  2. Avatar de GERALDO ANTONIO BETINI GERALDO ANTONIO BETINI disse:

    Parabéns, Luiz Carlos, pelo conteúdo e clareza do texto. Muito oportuno.

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