Vez por outra a mídia brasileira descobre E. Hanushek. Isso se deve a que as teses deste autor, um economista da educação norte-americano, caem como luva para o discurso midiático que associa diretamente o êxito econômico à educação de alta qualidade. E, por aqui, o discurso ufanista do crescimento econômico que justifica tudo, está em alta.
Nesta correlação (crescimento econômico – educação) que recebe tratamento de causação pela mídia, baseada na ilusão da “bala de prata” da educação, fica fácil descobrir o vilão da estória: o professor mal formado. Entenda-se por mal formado aquele professor cujos alunos não se saem bem nas provas nacionais. Novamente aqui, age outra correlação com interpretação de causação: baixo desempenho (?) do aluno como produto do professor mal formado.
Feitas estas “premissas”, a tese de Hanushek é muito simples – daí seu equívoco: a educação pode ser consertada da mesma forma que se conserta qualquer linha de produção defeituosa – basta remover o que atrapalha. E o que atrapalharia a qualidade da educação? Em sua visão unilateral, o professor mal formado. Portanto, para consertar a educação basta remover os maus professores. Bastaria remover uns 10% deles e o PIB saltaria. Simples assim.
A nova especialista em educação, Erica Fraga, da Folha de São Paulo, é quem descobriu, desta vez, os milagres de Hanushek.
Leia aqui Erica Fraga.
Reproduzo abaixo, matéria na qual mostrei o outro lado de Hanushek, ignorado pela Folha.
O PISA, Hanushek e o aumento do PIB
Publicado em 16/05/2015 por Luiz Carlos de Freitas
Hanushek é bem conhecido nos meios educacionais norte-americanos pelo seu destacado papel em defesa do complexo industrial de testes. Por lá, já vaticinou milagres como o que agora propõe, estando a serviço da OCDE, analisando os resultados do PISA recém divulgados. Nos Estados Unidos:
“O economista da Hoover Institution, Eric Hanushek, é um dos principais braços direitos dos reformadores empresariais da educação e do complexo industrial de testes. O seu trabalho de forma consistente nos lembra a definição de “economista” como “um especialista que saberá amanhã por que as coisas que ele previu ontem não aconteceram hoje.” Como um exemplo perfeito dessa caracterização, Hanushek dá preferência para usar dados empíricos para especular o seu caminho em direção à aceitação compartilhada de noções preconcebidas de seus patronos plutocráticos através da construção de um castelo de cartas estatístico dentro de um futuro hipotético que podemos apreciar mais pelo seu valor de entretenimento, do que pela veracidade factual.”
“Muitas vezes, Eric Hanushek é visto como pertencente à “Universidade de Stanford,” quando na verdade ele está no Instituto Hoover, uma entidade diferente alojada em Stanford. Em um recente artigo que foi pego e reimpresso como se tivesse sido publicado em um jornal com revisão de pares, Hanushek afirma que “a substituição de 5-8 por cento dos professores com [baixo desempenho] por professores [com desempenho] médio, moveria os EUA para perto do topo dos rankings internacionais de matemática e ciências, [gerando] um valor atual de 100 trilhões de dólares “.”
Porém como aponta Diane Ravitch em uma discussão com Hanushek:
“Quando Rick [Hanushek] diz que “a pesquisa mostra” que a remoção dos [professores] de “5-10 por cento [de desempenho] inferiores” geraria resultados [positivos] dramáticos, ele está se referindo aos seus próprios cálculos (grifos meus LCF), não a qualquer programa real que já tenha sido tentado.”
Ou seja, Hanushek faz hipóteses que não podem ser comprovadas e as trata como verdades que devem orientar políticas públicas hoje. O mesmo pode ser dito de seu novo “milagre”: a elevação do PIB de países como o Brasil em até 7 vezes com a melhoria da educação.
Segundo reportagem da BBC – IG Educação de 14/05/2015:
“Eric Hanushek, professor da Universidade de Stanford (EUA) e um dos mais respeitados acadêmicos especializados em Educação, é um dos autores do novo relatório internacional que mostra, mais uma vez, o enorme abismo entre os estudantes latino-americanos e os do leste asiático. `O futuro da América Latina realmente depende do que acontece em suas escolas`”
Hanushek indica cinco lições para a América Latina. Em uma delas afirma-se que:
“A conclusão é de que, se o Brasil proporcionar educação básica universal eficiente para todos os adolescentes de 15 anos, pode ajudar seu PIB a crescer mais de sete vezes nas próximas décadas. E se todos os adolescentes do México cursassem o Ensino Médio e obtivessem um nível básico em Matemática e Ciências – ou seja, capacidade em raciocinar e resolver problemas com os conceitos aprendidos -, o PIB do país poderia ser 551% maior em 80 anos. O PIB da Argentina também cresceria 693% nessas condições.”
A propósito do novo milagre, Diane Ravitch diz:
“Não está claro que habilidades de jovens de 15 anos em testes preveem alguma coisa sobre o futuro de uma economia. Quando foi feito o primeiro teste internacional de matemática em 1964, 12 nações participaram. Os EUA ficaram em penúltimo lugar na oitava série e em um mortal último lugar na décima segunda série. No entanto, ao longo dos 50 anos seguintes, a economia dos EUA superou as das outras 11 nações. Os resultados dos testes não previram nada.”
Mas a questão é mais dramática ainda do que aponta Ravitch. Em estudo que pode ser consultado aqui, pode-se ver que se Hanushek tivesse feito esta previsão em 1971 para o seu próprio país, ele teria passado imensa vergonha. Em 1972, considerando valor “0” para os testes americanos (NAEP), o PIB americano e a produtividade americana, a predição de Hanushek para acertar deveria ter antecipado que como o resultado nos testes americanos variou próximo de “0”, então, o PIB e a produtividade do período (1972-2014) deveriam ter ficado comprometidos.
No entanto, não é o que se observa. Apesar da porcentagem de crescimento do desempenho dos alunos em testes ter permanecido todo o período próxima de “0”, no mesmo período, o PIB teve um crescimento de 100% e a produtividade um crescimento de 375%. Ou seja, o desempenho dos testes não previu coisa nenhuma sobre a evolução do PIB e da produtividade da economia nos Estados Unidos.
Portanto, se Hanushek quer nos convencer de que é tão sabido para prever o futuro da economia latino-americana com seus modelos econométricos, a partir de resultados de testes, ele terá que nos convencer, primeiro, que tem igual sabedoria para provar que o estado atual da economia é produto do bom ou do mal desempenho em testes no passado. Ele pode começar por seu próprio país. Deveria ser mais fácil pois os dados estão todos à mão.
Mas antes de gastar tempo nisso, recomenda-se que Hanushek invista algum tempo para demonstrar uma relação causal entre “habilidades de estudantes de 15 anos em testes” e “crescimento econômico”, sem o que seus cálculos não têm nenhuma utilidade.
De fato, o que interessa à OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico -, escalando Hanushek, é convencer os latino-americanos de que devem submeter sua força de trabalho à mesma selvageria que os asiáticos estão submetendo a sua. E para tal, adotem as mesmas estratégias educacionais dos reformadores empresariais que conduzem a ela.
Antes, portanto, que esta bobagem se espalhe e convença nossas autoridades, é melhor que nos antecipemos.
Reynaldo Fernandes Economista e Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto hoje em audiência “Fontes de financiamento para a educação com qualidade e equidade: análise da PEC nº 15 de 2015 e sugestões para o aprimoramento de seu texto “, avança para novos indicadores, gratificação de desempenho etc
http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pec-015-15-torna-permanente-o-fundeb-educacao/videoArquivo?codSessao=65514&codReuniao=47274#videoTitulo
Hikaru Komatsu e Jeremy Rappleye revisam as ideias de Hanushek e apresentam um outro ponto de vista sobre a relação entre as avaliações em larga escala e o PIB.
Vejam:
1) https://www.washingtonpost.com/news/answer-sheet/wp/2017/04/27/is-there-really-a-link-between-test-scores-and-americas-economic-future/?utm_term=.f3e31346447c
2) https://norrag.wordpress.com/2017/04/12/the-cost-of-ignorance-revisited-imitating-the-oecd-or-learning-to-be-critical/
3) http://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/690809
4) http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/03050068.2017.1300008
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