Salomão Ximenes: ensino religioso no STF

ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS VAI A JULGAMENTO NO STF: O QUE SERIA UMA VERDADEIRA VITÓRIA DO ESTADO LAICO?

As Constituições brasileiras, por pressão da Liga Eleitoral Católica de ontem e de hoje, estabelecem, desde 1934, o ensino religioso nas escolas públicas como disciplina de oferta obrigatória e matrícula facultativa. Talvez por sua aparente facultatividade, talvez porque persista uma visão ingênua e branca que teima em perceber o tamanho do problema, essa previsão arcaica tenha sobrevivido às pressões de formação de um Estado verdadeiramente laico no Brasil, pressões dos movimentos feministas que retiraram o “casamento indissolúvel” do texto constitucional e legal; e dos movimentos de diversidade que levaram o STF a atualizar o texto de 1988 para relativizar, em nome dos direitos fundamentais de liberdade, a limitação da união “estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”.

Posição oficial da hierarquia católica que ganhou forma de tratado internacional em razão de uma escandalosa subserviência de Lula, que aceitou subjugar os interesses do país aos interesses do Vaticano em uma Concordata que protege todos os interesses da igreja e nenhum interesse público, o ensino religioso nas escolas públicas sobreviveu aos referidos avanços laicos. É hoje a principal imposição religiosa no texto constitucional (para não falar da radicalmente religiosa redação do caput do art. 33 da LDB, para quem o ensino religioso “é parte da formação integral do cidadão”!!!).

Essa confusão normativa, intencional, vem servindo de porta de entrada e justificação para as mais diferentes violações à liberdade de pensamento, crença e não crença nas escolas públicas.

O fundamental, portanto, é saber se os ministros do STF terão a autonomia e o discernimento de dar um ponto final nessa controvérsia arcaica, promovendo uma interpretação contemporânea da Constituição para dizer, de um lado, que hoje, passados mais de 80 anos de sua primeira previsão na república, o ensino religioso não pode servir à pregação manifesta ou dissimulada de valores religiosos, de uma pretensa dimensão religiosa do sujeito, de uma “parte integrante do cidadão” etc; de outro lado, deveriam os ministros reconhecer que a Constituição de hoje não cria uma disciplina em sentido curricular (se fizesse isso por que não cria então disciplinas de Português, Matemática, Ciências?), um anacronismo político e pedagógico, mas que por “ensino religioso nas escolas públicas” em um Estado laico cabe apenas tratar dos conteúdos relacionados às liberdades religiosas e ao pluralismo da sociedade brasileira, como aliás já determinam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos.

Nenhuma disciplina deveria ser exigida para os entes federados e escolas e deveriam ser fortalecidas tais Diretrizes que abordam o problema sob uma perspectiva laica, nenhum professor deveria ser contratado para ofertar ensino religioso, nenhum livro didático específico, ou seja, nenhum centavo do escasso recurso público destinado à educação pública deveria servir à reprodução de interesses unicamente religiosos nas escolas públicas, ainda que dissimulados como “não confessionais”.

Isso sim seria um verdadeiro avanço para laicidade na escola pública. Essa é a posição que vem sendo defendida por uma articulação de educadores e organizações da qual participo, tendo à frente Ação Educativa, CLADEM, ECOS, Plataforma Dhesca e outras.

Salomão Barros Ximenes

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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