Livro aponta fracasso da responsabilização baseada em testes

Novo livro Koretz

Novo livro de Daniel Koretz “The Testing Charade” (University of Chicago Press, 2017) mostra o fracasso da tentativa de melhorar as escolas através de testes de alto impacto, ou seja, associados a processos de responsabilização verticalizados (punições e prêmios). Ao contrário do que é divulgado pelos reformadores empresariais, associar consequências aos resultados dos testes seja para os professores, alunos ou escolas, não tem conduzido à melhoria da educação.

“Daniel Koretz, um dos principais especialistas em testes educacionais do país, argumenta em “The Testing Charade” que toda a ideia de prestação de contas baseada em testes fracassou – ela se converteu cada vez mais em um fim em si mesmo, prejudicando aos estudantes e corrompendo os próprios ideais do ensino. Nesta poderosa polêmica, baseada em provas irrefutáveis e enraizada em décadas de experiência em testes educacionais, Koretz chama os testes de alto impacto de farsa, ídolos falsos que conduzem a manipulação e mostram pouca evidência de que conduzam à melhoria da educação. Ao invés de incentivos para desviar tempo de instrução do professor para a preparação para os testes, ele argumenta, necessitamos medir o que importa e medir de múltiplas maneiras, não só através de testes padronizados.

Hoje, nós estamos mentindo para nós mesmos sobre se os nossos alunos estão aprendendo. E quanto mais aceitarmos esta mentira, mais danos nós fazemos. Já é tempo de por um fim a nossa confiança cega nos testes de alto impacto. Com The Testing Charade, Daniel Koretz insiste em que nos enfrentemos aos fatos e mudemos de rumo para termos um plano melhor.”

Leia mais aqui.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Links para pesquisas, Meritocracia, Responsabilização participativa, Responsabilização/accountability e marcado , , , . Guardar link permanente.

3 respostas para Livro aponta fracasso da responsabilização baseada em testes

  1. Pingback: Livro aponta fracasso da responsabilização baseada em testes | Remo Bastos

  2. Nathália Cordeiro e Rodrigo Lessa disse:

    O método de avaliação criticado pelo livro de Daniel Koretz, se relacionado à educação brasileira, consegue se assemelhar ao que acontece nas avaliações da escola seriada. O Ensino Fundamental, organizado em avaliações constantes, de caráter punitivo e com o risco de reprovação a cada ano, detém as características exatas do que The Testing Charade mostra que não funciona. As avaliações, que têm caráter punitivo, não conseguem evidenciar o real aprendizado do aluno, uma vez que tenta nivelar o que por ele foi absorvido de maneira injusta e inadequada, pois não reconhece as especificidades de cada aluno. Nesse sentido, as premiações ganham o mesmo caráter punitivo quando elegem aqueles que se destacam em detrimento do não-aprendizado do outro. Isso é evidenciar a preferência da escola por um tipo específico de aluno, e ignorar o que mais se relaciona ao aprendizado educacional, ou seja, todos os seus elementos influenciadores, sejam eles sociais, culturais, econômicos e políticos.
    Os riscos, ainda em relação a situação brasileira do Ensino Fundamental, se estendem para além de sua duração: se a escola não consegue levar em consideração que seu estudante é, de fato, um sujeito em si, e tenta nivelar seu aprendizado de acordo com uma espécie de ideal, ela não conseguirá, também, fazer com que tal aluno avance dentro do sistema educacional. Isso pode fazer com que os índices de evasão aumentem, além de vincular o currículo diretamente a uma avaliação. O aprendizado, assim, fica em função da avaliação, e não o contrário, como deveria ser.
    Sendo assim,
    “(…)não se pode analisar essa etapa da educação básica como se milhões de alunos aí se encontrassem por uma opção própria absoluta, significando que não se pode exigir dos alunos o interesse em relação à escola – como um pré-requisito – nem mesmo “prontidões” cognitivas. Essa imposição do ensino fundamental transforma em tarefa da escola promover tanto o interesse do aluno por ela quanto a prontidão dos conhecimentos.” (ALAVARSE, 2009, p.36)
    A educação ciclada poderia ser uma solução. A partir da compreensão de que o aprendizado aconteceria por ciclos, entende-se de modo mais globalizado como esse processo se daria. A reprovação, perdendo seu sentido de risco iminente, excluiria a verticalização extrema e o caráter punitivo que a escola pode adotar. Nesse sentido, perde-se também o mesmo caráter que as premiações têm quando aplicadas na lógica seriada, uma vez que o ensino ciclado busca compreender o ritmo de cada aluno, e avaliar de maneira contextualizada a evolução e o aprendizado de cada aluno, afinal “a escola decorre de forças políticas e culturais relativas, em função de quem a propõe e das condições e correlações de forças em disputa, contestando a visão, fortemente arraigada, que naturaliza sua existência” (AVALARSE, 2009, p. 39).
    Entretanto, a escola organizada em ciclos não é a solução absoluta para todos os problemas relativos às consequências dos altos índices de reprovação punitiva e à premiação que pretende nivelar. Se não implantada corretamente, com trabalho coletivo entre coordenação pedagógica, entendimento explícito do significado da educação ciclada por parte dos professores, e aplicação efetiva do projeto, a educação nos moldes apresentados pode ter resultados parecidos com os que o Daniel Koretz critica. A simples lógica da não reprovação em alguns anos, sem respeitar os demais objetivos e aplicações pensadas pelos pesquisadores da escola ciclada pode gerar a chamada “aprovação automática”, quase tão prejudicial quanto a “reprovação automática”. O trabalho pedagógico e docente também deve ser em ciclos, bem como a avaliação e observação do aprendizado contextual do aluno. Há que se construir a lógica da escola democratizada, e este é um trabalho contínuo e que deve ser adotado nas práticas de todos aqueles atuantes na educação.
    Outra solução aplicada em alguns locais, ainda referentes ao Ensino Fundamental brasileiro e a relação que este tem com a crítica do livro apresentado na matéria, é a Escola Integral.

    Para além da discussão sobre o impacto negativo de testes educacionais fundamentados nos argumentos da premiação e punição aos estudantes, ao dizer que “hoje, nós estamos mentindo para nós mesmos sobre se os nossos alunos estão aprendendo. E quanto mais aceitarmos esta mentira, mais danos nós fazemos”, é possível relacionar esta crítica da(s) mentira(s) ditas e inseridas na escola por meio da análise do texto de Clementino e Oliveira (2017), que faz uma comparação entre o “Programa Escola Integrada” e o “Educação em Tempo Integral”. Nesse texto, discute-se sobre o contexto em que esses programas foram inseridos, seus objetivos e sobre os (novos) sujeitos docentes que passaram a fazer parte da escola. Os programas citados têm como objetivo “atender crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social e educacional” (CLEMENTINO, OLIVEIRA, p. 1, 2017), entretanto,

    embora os programas tenham se tornado importantes instrumentos de proteção social […], as escolas operam com muitas dificuldades em implementá-los, principalmente no que se refere a condições de trabalho, infraestrutura disponível e oferta de docentes qualificados. (CLEMENTINO, OLIVEIRA, p. 1, 2017).

    A escola integral tem como concepção e objetivo uma educação humanista, baseada na experiência artística nos espaços escolares e da cidade, e a redução no número de reprovações. Entretanto, há inúmeros problemas neste projeto que necessitam atenção e atuação do governo para que, de fato, a proposta seja concretizada, proporcionando uma educação integral, não apenas em tempo integral. Baixa remuneração, disputas por espaços escolares e a não necessidade de uma formação específica para atuar como oficineiro(a) nesses programas, são algumas das várias dificuldades e questões a serem discutidas e solucionadas a fim de proporcionar a relação entre teoria e prática dos projetos.
    Mas em que ponto essas discussões sobre a Escola Integral se relacionam com os testes de alto impacto que propõem melhorar as escolas por meio de punições e prêmios?
    A introdução da Escola Integral tem como base uma educação humanista e artística no contraturno escolar e busca a redução do número de reprovações. Dessa forma, em outras palavras, busca-se a melhoria da qualidade da educação para aqueles em situação de vulnerabilidade, o que de fato pode acontecer. Entretanto, não podemos fechar os olhos para os fatores prejudiciais para a formação humana, crítica e criativa dos estudantes participantes do projeto. A ideia de melhoria da educação por meio de testes é outro elemento presente em muitas escolas que precisa ser revisada, pois há efeitos prejudiciais aos estudantes, professores, às escolas e à sociedade em geral, seja em pequena ou larga escala.
    Quando é dito que os testes de alto impacto são associados a processos de responsabilização verticalizados, podemos relacionar esta verticalização com as propostas inseridas pelo governo de forma parcial, inadequada ou com baixo preparo para a estrutura física e organizacional das escolas. Como é possível ter um projeto de educação integral, transformadora e de qualidade à estes estudantes desfavorecidos se não há o financiamento para o funcionamento deste? Como é possível medir a qualidade da educação por meio de testes de alto impacto se o processo educacional (práticas, aprendizados e desenvolvimentos) é reduzido e o produto final (resultado) é realçado? Como medir a qualidade da educação por meio da falácia da meritocracia, que premia aqueles com o maior capital cultural e esquece dos menos desfavorecidos?
    Os novos rumos, compreendidos como necessários para Daniel Koretz no sentido de que “nos enfrentemos aos fatos e mudemos de rumo para termos um plano melhor” podem ser associados, justamente, à gestão democrática na escola. Tal processo compreenderia o melhor funcionamento das duas soluções encontradas para contornar as punições, reprovações e premiações que não apresentam resultado positivo. As falhas da gestão, que, na maior parte das vezes, não se dá de forma democrática, atingem tanto a escola ciclada, quanto a tentativa de implantação de uma Escola Integral. Ambas possuem ideais revolucionários se compararmos às concepções e práticas educativas de muitas escolas brasileiras e daquelas criticadas por Daniel Koretz, em outro contexto educacional. Um exemplo disto é a preocupação em reduzir o número de alunos reprovados anualmente por meio de novas práticas que potencializam os estudantes e dão importância às suas subjetividades, de forma que os fatores da exclusão e injustiça sejam apagados da escola.
    Ainda assim, há a dimensão econômica: projetos como esses, e outros que tenham como objetivo a melhoria efetiva da educação brasileira, em especial no Ensino Fundamental, demandam altos recursos financeiros. Mesmo com a participação democrática da gestão pedagógica escolar, limites serão encontrados se não forem feitos investimentos que sejam proporcionais às demandas dos programas.
    Todos esses problemas apresentados na escola ciclada, nos projetos de Educação Integral e na aplicação de testes de alto impacto para medir a qualidade da educação são questões que entrecruzam os caminhos da gestão externa e interna do meio escolar. A gestão, quando não é democrática, possui limites e não se incorpora às práticas escolares por meio de planejamentos adequados não consegue gerir de maneira efetiva e qualitativa seus processos para melhoria contínua. Portanto, a gestão democrática deve ser entendida

    como um processo político no qual as pessoas que atuam na/sobre a escola identificam problemas, discutem, deliberam e planejam, encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca da solução daqueles problemas. (SOUZA, p. 125, 2017).

    REFERÊNCIAS
    ALAVARSE, Ocimar Munhoz. A organização do ensino fundamental em ciclos: algumas questões. Revista Brasileira de Educação v. 14 n. 40 jan./abr. 2009. p. 35-50.
    CLEMENTINO, Ana Maria; OLIVEIRA, Dalila Andrade. Novos sujeitos docentes e suas condições de trabalho: uma comparação entre o Programa Escola Integrada e o Projeto Educação em Tempo Integral. Em Aberto, Brasília, v. 30, n. 99, p. 99-113, maio./ago. 2017.
    SOUZA, A. R. Explorando e construindo um conceito de gestão escolar democrática. Educação em Revista. 2009, vol.25, n.3, pp. 123-140.

  3. Pingback: Sobral e a desinformação na esquerda – Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia

Deixe um comentário