BNCC: Voto em Separado é Documento Histórico

O Pedido de Vistas e o consequente Voto em Separado contrário das Conselheiras Aurina de Oliveira Santana, Malvina Tania Tuttman e Marcia Ângela da Silva Aguiar, na sessão de aprovação da BNCC pelo Conselho Nacional de Educação, são agora documentos históricos. Reproduzimos estes documentos aqui, em separado do Parecer, porque deverão ser lembrados no futuro. A seu tempo, a educação brasileira dará o devido valor o ato destas lutadoras.

Esta semana os demais 19 conselheiros do CNE aprovaram a BNCC. Serão lembrados também por este gesto. Infelizmente, não haverá como responsabilizá-los por ele no futuro. Tais conselheiros criaram “responsabilidades” para as redes de ensino e escolas, mas passarão ao largo da “responsabilização” como gestores-decisores, independentemente dos resultados que sua decisão gerará.

É verdade que alguns criticaram a BNCC antes de votar favorávelmente. Outros até introduziram uma melhora aqui ou ali, mas isto não é suficiente na conjuntura atual. Exige-se definição, porque estamos diante de um ato do CNE que trará graves e profundos danos ao futuro da educação brasileira – na dependência de quanto tempo se leve para remover da política educacional aquilo que é o fundamento da atual BNCC, ou seja, o entulho da teoria da responsabilização baseada em testes. Quem quiser “evidência” sobre as consequências das políticas baseadas em testes, leia Daniel Koretz em “Testing Charade”.

Os conselheiros que votaram a favor serão lembrados no futuro, quando as consequências do que aprovaram começarem a se manifestar em escala, como já se manifestam hoje nos Estados que fazem uso da responsabilização verticalizada, ou vê notoriamente em Sobral, no Ceará. Esse quadro vai se generalizar já que a atual BNCC que pretensamente não quer ser “currículo”, como divulgam o MEC e seus correligionários no CNE, se tornará, sim, currículo padronizado pelo caminho das avaliações de larga escala censitárias e pelos interesses empresariais em jogo e que são de ciência dos conselheiros que votaram a favor. Assim como não se pode alegar “ignorância da lei” para escapar ao seu cumprimento, não se pode alegar “ignorância da pesquisa cientifica” ao aprová-la em um Conselho Nacional de Educação. Mais grave: os conselheiros têm ciência de que estão padronizando não apenas as “competências” e conteúdos cognitivos, mas também “habilidades sócio-emocionais”. Sabem que há uma avaliação em larga escala nacional e censitária. O parecer original de aprovação foi elaborado por dois ex-presidentes do INEP, exatamente o órgão condutor da política de avaliação nacional.

Alguns destes arautos na grande imprensa dizem que até a Finlândia tem BNCC. Mas se “esquecem” de que na Finlândia a autonomia do professor é enorme e não há avaliação de larga escala censitária – uma burrice cara e que encanta os reformadores empresariais brasileiros.

O que os conselheiros aprovaram produzirá no Brasil: uma BNCC padronizada que atenta contra a diversidade cultural do país (não venham com a estória de que cada Estado ou município vai complementar a base, pois os tais “complementos” não cairão nas provas de larga escala censitárias); que padroniza e permite, via plataformas de aprendizagem on line, com avaliação embarcada, padronizar o ensino nas salas de aula e à distância (incluindo habilidades sócio-emocionais); que permite padronizar o conteúdo dos métodos de ensino (os produtores de plataformas e materiais didáticos (editores, institutos e fundações) padronizarão os próprios métodos); padronizar a formação de professores; padronizar as instituições formadoras de professores; regular contratos de terceirizadas que aos poucos tomarão o lugar de escolas públicas num processo crescente de privatização. O MEC e estes conselheiros que aprovaram a política, colocaram em risco a própria educação pública. Vejam como Sobral fabrica seu excelente IDEB. São adeptos de uma lenda: a de que média mais alta na escola é sinônimo de boa educação.

Tudo isso é hoje uma realidade nos países que aderiram a estas políticas da OCDE. É óbvio que à mesma proporção com que o controle é introduzido nas redes de ensino, haverá contra-controle. Pais, estudantes, profissionais da educação e gestores terão que resistir a esta investida contra a educação pública.

Os conselheiros que aprovaram enchem a boca falando de “direitos de aprendizagem”. Qual a razão para se destacar o direito de aprender dos demais direitos do ensinar, da educação? Qual a razão para se destacar e omitir os demais direitos sociais que criam uma vida digna para cada cidadão (que está sendo vilipendiado pelas reformas do atual grupo no poder, para atender corporações internacionais), direitos estes que permitiriam criar as condições sociais necessárias para que a miséria “oficial” não continuasse atingindo 20% da população – esta sim a real causa das dificuldades de aprendizagem.

Está claro que os reformadores optaram por salvar a classe média e as elites e construir uma escola à sua medida, com o seu ritmo e com o conteúdo e habilidades que lhes interessa. Quanto aos demais, aos que continuarem não aprendendo serão empurrados de alguma forma pelas políticas de avaliação (vejam novamente Sobral) ou excluídos para o ensino profissionalizante com a outra desastrosa reforma do ensino médio igualmente em curso.

Ao final, a culpa será transferida para a escola e seus professores que “não cumpriram os direitos de aprendizagem dos estudantes” que os sábios do Conselho Nacional de Educação e o MEC estipularam. Privatização, portanto, dirão, é a solução.

Ante este quadro, o Pedido de Vistas e o Voto em Separado das Conselheiras Aurina, Márcia e Malvina tem um caráter histórico. A educação brasileira agradece a coragem das Conselheiras, registra o esforço e é deste ponto que teremos que retomar a construção da educação brasileira mobilizando pais, estudantes, professores e gestores. Obrigado Conselheiras.

Baixe aqui o Pedido de Vistas das Conselheiras.

Baixe aqui o Voto em Separado das Conselheiras.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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Uma resposta para BNCC: Voto em Separado é Documento Histórico

  1. Janeth Pimentel disse:

    Os profissionais da Educação tem q ver isto para mais tarde n dizer q n foram avisadas.É a dura realidade do capitalismo americano infiltrado nos recantos da economua brasileira adentrando no mais íntimo das necessidades do povo em ascenção politica educacional da nossa historia.Muda-se os governantes e continuam os devastadores da reforma da educação p piorar a vida do cidadão.Viva o povo brasileiro como dia João Ubaldo Ribeiro.

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