Desde sua aprovação em 2014 defendemos que o Plano Nacional de Educação – PNE – é um documento (lei) do Congresso e não dos movimentos e entidades da educação. Se já era assim antes do golpe, depois deste ficou mais evidente a necessidade de abandonar este barco.
A razão é que os pontos progressistas que ele contém podem muito bem continuar a ser defendidos a partir de outros documentos mais genuinamente ligados aos movimentos e entidades educacionais: as Conferências Nacionais de Educação de 2010 e 2014. Onde coincidirem com o PNE, continuarão a ser apoiados independentemente do PNE.
O argumento legalista de que o PNE é uma lei e, portanto, temos que defendê-lo por isso, não convence. Se isso fosse motivo, teríamos que apoiar a lei que definiu o teto de gastos para o Estado, e no entanto, continuamos sendo contra, mesmo depois que foi aprovada pelo Congresso. Há outros exemplos.
O Plano Nacional de Educação atual contém muitos aspectos que não deveriam ser defendidos por nós. Vamos a um exemplo. Na meta 7, pode-se ler a estratégia abaixo:
“7.2: Assegurar que:
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a) no quinto ano de vigência deste PNE, pelos menos 70% dos alunos do ensino fundamental e do ensino médio tenham alcançado nível suficiente de aprendizado em relação aos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de seu ano de estudo, e 50% pelo menos, o nível desejável.
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b) no último de vigência deste PNE, todos os estudantes do ensino fundamental e do ensino médio tenham alcançado nível suficiente de aprendizado em relação aos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de seu ano de estudos, e 80%, pelo menos, o nível desejável.”
Este é um dos resquícios introduzido no PNE pelos amantes da falida lei de responsabilidade educacional americana No Child Left Behind que nos Estados Unidos estabeleceu, à época de sua promulgação por Bush em 2002, que todas as escolas americanas deveriam ter todos os seus alunos “proficientes” em leitura e matemática no ano de 2014.
A lei foi um rotundo fracasso e em 2015 foi substituída por outra que aboliu a exigência. O presidente dos Estados Unidos, Obama, passou o ano todo de 2014 tendo que dar “perdão” aos estados americanos por não terem conseguido atingir tal meta. No entanto, a lei foi muito eficaz para incentivar a privatização das escolas americanas, pois colocava para estas, um objetivo inatingível – tal como faz o nosso PNE na estratégia 7.2.
Essa estratégia não está no nosso PNE só para enfeite. No último Relatório de monitoramento do PNE (2018) o INEP coloca atenção sobre este aspecto. Na página 150 do relatório há uma observação que é importante levar a sério, por suas implicações danosas para a educação brasileira. Diz o relatório:
“Nesse contexto, vale notar a consecução da Estratégia 7.1 da Meta 7, com a promulgação da Base Nacional Comum Curricular, e ressaltar a necessidade premente de se definir o nível “suficiente” de aprendizado em relação aos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de cada ano de estudo, conforme preconiza a Estratégia 7.2. Apenas assim será possível efetivamente monitorar o aprendizado dos alunos da educação básica e garantir a todos o direito à aprendizagem.”
A questão é que, ao usar o termo “nível de aprendizado suficiente”, o PNE criou um conceito fora das escalas de proficiência normalmente usadas (ou seja: abaixo do básico, básico, proficiente, avançado) e isso exige que se chegue a uma definição: o que significa nível “suficiente”? É o nível “básico”, ou o “proficiente” das escalas? Ou ambos?
Esta é uma “necessidade premente” do INEP, pois sem esta definição a meta não pode ser adequadamente cobrada.
Os resultados desta exigência já são conhecidos se olharmos para a realidade americana: mais privatização.
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