CNE fragiliza CAQ: a caminho dos “vouchers”?

A Agência Brasil informa que em reunião de 26-3-19 o Conselho Nacional de Educação (CNE) se declarou incompetente “para definir o valor financeiro e precificação do Custo Aluno Qualidade Inicial [CAQi]” previsto do Plano Nacional de Educação e até agora não implementado.

“O CAQi definiria quanto o país deveria investir no mínimo por aluno ao ano nos níveis de ensino infantil, fundamental e médio das redes públicas de todo o território, em regra, vinculadas às prefeituras municipais ou aos governos estaduais.

“Não é competência [do CNE] estabelecer valores financeiros. Isso seria inconstitucional. Não sabemos quais são as fontes orçamentárias para que estados, municípios e mesmo a União possam cumprir o que está definido”, disse a relatora do parecer no CNE, Maria Helena de Castro, ex-secretária-executiva do Ministério da Educação. “

Leia aqui.

A decisão retira pressão sobre o governo para que este financie adequadamente a educação. Como afirma Ximenes:

“Na prática, o MEC delega à área econômica a definição sobre os parâmetros de qualidade. Assim, a partir de agora, oficialmente, prevalecerão os limites econômicos na definição da “valores per capita associados à qualidade da educação básica, vinculada a existência das correspondentes fontes de custeio ou financiamento”. Ou seja, um direito à educação cuja extensão se define na área econômica, uma completa inversão da própria noção de direito. “

Mas além disso, há que se agregar outras intenções do núcleo neoliberal no Ministério da Economia do governo Bolsonaro. Os neoliberais desistiram há muito tempo da escola pública e consideram que ela é irrecuperável. Eles querem privatizar a educação brasileira e isso se faz criando-se a figura dos “vouchers”, ou seja um valor fixo em dinheiro que é dado aos pais para que eles escolham e custeiem a escola que desejarem para seus filhos – incentivando a migração dos alunos da escola pública para a privada. Caso os pais queiram uma escola melhor do que aquela que o valor do “voucher” permite ter, ele deve completar com seus próprios recursos. Como sabemos, tudo que se converte em mercadoria, se fragmenta em vários níveis de “qualidade”, acessíveis segundo o dinheiro que se carrega no “bolso”.

A decisão do CNE abre possibilidade de que, sem uma definição adequada do valor que custeia um aluno, isso possa ser livremente feito na forma de “voucher”, dentro do plano global de privatização da educação básica, sem interferência do CNE.

Sendo o “voucher” uma unidade de transferência de recursos públicos para pagamento da iniciativa privada quando ela atende um aluno (incluindo homescholling), se o CNE fixasse este valor, ele poderia amarrar também o valor do “voucher”.

Agregue-se ainda, que para os neoliberais, a qualidade da educação não depende de mais investimentos, mas sim, de que a atividade educativa seja inserida no mercado, o que geraria competição entre as instituições educacionais, resultando em maior qualidade. Como já vimos neste blog, a tese nunca foi comprovada, mas é mais uma ideia-zumbi neoliberal a vagar pelo mundo fazendo vítimas.

Deixo para debate esta hipótese, alertando que no desgoverno geral criado por Bolsonaro, a área econômica é um dos polos que sabe muito bem o que quer – além de ter apoio de neoliberais, liberais e militares. O governo (e o MEC especialmente) pode parecer paralisado, mas isso não se aplica ao núcleo neoliberal.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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Uma resposta para CNE fragiliza CAQ: a caminho dos “vouchers”?

  1. marcos disse:

    A UFPR produziu um simulador do CAQ (SimCAQ) que é uma excelente ferramenta de gestão para os municípios e estados. O produto está pronto desde o final de 2018. Seria importante este blog dar visibilidade ao SimCAQ a fim de que a ferramenta não seja esquecida.

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