Lei de responsabilidade educacional no Senado

O sonho neoliberal de uma “lei de responsabilidade educacional” volta a ser discutido no Senado. É o projeto 88/2023 de Flávio Arns. Ele retoma a fracassada política de pressão sobre gestores, diretores e professores, como se a qualidade da educação fosse um caso de polícia.

Embutida na racional da punição de gestores que não cumprem as leis, encontra-se também punições para o magistério e para Diretores de Escola. O destino da lei, como mostra a experiência norte-americana, será aumentar o gerencialismo e a privatização das escolas – além da evasão do magistério. O Brasil insiste em adotar as piores políticas para suas escolas.

Se considerarmos a atual política em curso no MEC que adota o modelo do Ceará baseado em metas e meritocracia; se considerarmos a implantação do FUNDEB meritocrático que aloca mais verba na dependência de metas, e agora a lei de responsabilidade fiscal, temos uma combinação explosiva para os próximos anos.

Daniel Koretz[1] assim resume a história destas políticas usadas por décadas nos Estados Unidos:

“Tivemos inúmeras reformas nas últimas duas décadas, mas no centro delas estão os esforços para pressionar os educadores a aumentar as notas nos testes. A ideia é enganosamente simples. Diz: os testes medem coisas importantes que queremos que os alunos aprendam; responsabilize os educadores por aumentar a pontuação e eles ensinarão mais as crianças. E, concentrando a responsabilização em grupos com baixa pontuação – na maioria das vezes, estabelecendo metas uniformes por meio de leis estaduais ou federais, como o “Nenhuma criança deixada para trás” ou “Todo estudante é bem-sucedido”-, fecharemos as lacunas de desempenho. Infelizmente, esse conceito acabou sendo mais simplista do que simples, e não funcionou” (Koretz, 2019).

Segundo a Agência Senado:

“A Comissão de Educação (CE) realiza na quinta-feira (25), às 14h, a primeira audiência pública destinada a instruir o projeto do senador Flávio Arns (PSB-PR) da Lei de Responsabilidade Educacional (PL 88/2023). A proposição estabelece medições da qualidade e da oferta da educação básica e impõe o compromisso dos gestores públicos com o ensino, submetendo-os a punições civis e criminais em caso de má gestão.

Foram convidados para o debate a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Elida Graziane Pinto; o vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima; o presidente do Centro de Estudos Educação & Sociedade (Cedes), Sérgio Stoco; e representantes do Ministério da Educação, da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da Secretaria de Controle Externo da Educação, da Cultura e do Desporto do Tribunal de Contas da União (TCU).

A audiência será a primeira do ciclo de dois debates sobre a Lei de Responsabilidade Educacional, realizado a requerimento de Arns e da senadora Teresa Leitão (PT-PE). O PL 88/2023 é relatado pelo senador Confúcio Moura (MDB-RO).”

Felizmente teremos Sérgio Stoco do CEDES nesta primeira audiência.

O projeto de lei inclui eventuais punições em toda a escala hierárquica desde os gestores até  professor, passando pelo Diretor de escola. Com isso, a educação brasileira dá mais um passo na direção da fracassada política norte-americana implantada por Bush, abrindo caminho para pressões de todo tipo sobre o aparato escolar motivadas por não atingimento de metas.

Leia o projeto 88/2023 aqui.

Diz o texto do projeto:

“Art. 4º Inconsistências na oferta da educação básica pública e na promoção de seu padrão de qualidade, nos termos do art. 2º desta Lei, ensejarão a responsabilização educacional do gestor, por meio de ação civil pública de responsabilidade educacional, nos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, além de configurarem crime de responsabilidade dos governadores e prefeitos, comprovada a negligência ou má gestão.

Parágrafo único. Quando ficar comprovada a insuficiência de receitas do ente federado para cumprir o disposto no art. 2º desta Lei, a União, no exercício da função redistributiva e supletiva prevista no § 1º do art. 211 da Constituição Federal, prestará a assistência financeira necessária para assegurar o padrão de qualidade na educação básica pública.”

Neste artigo, eventualmente pune-se governadores e prefeitos.

“Art. 5º Os profissionais das escolas públicas cujos indicadores apontarem melhoria ou manutenção de padrão na qualidade do ensino receberão abono salarial anual, nos termos do regulamento e dos respectivos planos de carreira.”

Neste, induz os estados a implantar planos de bonificação para professores – uma politica falida onde foi aplicada, inclusive no Estado de São Paulo que há décadas convive com ela sem resultados.

Leia aqui a entrevista de um ex-secretário da educação paulista.

“Art. 6º A direção das escolas públicas que não cumprirem as respectivas metas deverá elaborar relatório de justificação do resultado obtido e plano de melhoria do ensino, a ser aprovado pelo respetivo conselho escolar e submetido à apreciação do órgão gestor da respectiva rede de ensino, o qual deverá:

I – apontar estratégias para corrigir eventuais falhas na observação das disposições do art. 2º em relação ao estabelecimento de ensino; II – apurar a razoabilidade e a viabilidade das metas definidas para a escola; III – analisar a necessidade de realocação de profissionais no estabelecimento de ensino, respeitadas as normas de cada sistema de ensino; IV – analisar a necessidade de instaurar inquérito administrativo para apurar a eventualidade de desídia profissional; V – enviar à escola documento de avaliação de seu relatório e plano de melhoria do ensino, com informações sobre as providências a serem tomadas.”

Por este induz-se a “realocação de profissionais no estabelecimento de ensino” e até a instauração de inquérito administrativo contra profissionais da educação.

Todas as ações seguem o padrão de pressionar as escolas como se a questão da melhoria da educação fosse caso de polícia.

Bush, quando presidente nos Estados Unidos, implantou ações até mais duras que esta e o resultado foi nulo. Foram duas décadas ou mais de ações deste tipo que resultaram em aumento da privatização das escolas. O que se conseguirá por aqui com estas medidas não será diferente:

– mais segregação promovida pela corrida às metas, tornando alunos de baixo rendimento ou com necessidades especiais invisíveis ao sistema educativo para que não façam parte das avaliações e com isso não derrubem a média da escola; massacre de simulados preparatórios para os estudantes se saírem bem nos testes padronizados das avaliações estaduais e nacionais para não perder o acesso a recursos financeiros;

– redução do tempo dedicado a ensinar e aumento do tempo dedicado a avaliar; focalização no estudo das disciplinas de português e matemática que são objeto de avaliações e abandono das que não são exigidas nos exames;

– quando não o uso de fraudes para elevar artificialmente os índices, especialmente para atender a pressões de metas que liberam recursos.

Mas além disso está a conformação ao espírito da concorrência e da competição desde os primeiros anos da educação básica acostumando os estudantes ao modo de vida neoliberal.

Finalmente, é bom que se pense no que estamos fazendo com o magistério. Estamos colocando os profissionais da escola em situações que cada vez mais desestimularão a entrada na profissão e o exercício da profissão: facadas de alunos inconformados, processos policiais se as metas não são atingidas, sobrecarga de trabalho, baixa remuneração, entre outras. Enquanto isso, a miséria cresce do lado de fora da escola.

Quem vai querer continuar ou entrar nesta profissão?


[1] Koretz, D. (2019) ‘It Just Isn’t Working’: PISA Test Scores Cast Doubt on U.S. Education Efforts.Disponível em https://www.nytimes.com/2019/12/03/us/us-students-international-test-scores.html?action=click&module=Top%20Stories&pgtype=Homepage . Ver também seu livro: Koretz, D. (2017) The testing charade: pretending to make schools better. Chicago: The University of Chicago Press.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Avaliação de professores, Estreitamento Curricular, Links para pesquisas, Meritocracia, Privatização, Responsabilização/accountability, Segregação/exclusão e marcado , , , , , , , , , . Guardar link permanente.

3 respostas para Lei de responsabilidade educacional no Senado

  1. Adriana Penna disse:

    Embora eu já não me surpreenda com muitas coisas que acontecem, ainda assim, é impressionante o grau da violência assumida recorrentemente com as políticas educacionais neste país; neste momento, ainda mais que anteriormente, impulsionadas pelos ventos do mercado que sopram desde Davos, este último acelerado pela lógica Chat GPT4…. São brutalmente agressivas e declaradamente nocivas, essas formas assumidas pela burguesia brasileira para gerenciar a educação. No entanto, explicáveis mediante a (i)racionalidade e lógica gerencial do mercado! De fato, não nutro um fio de esperança sobre o atual governo poder modificar esses rumos! Professor Luiz Carlos. Será que agora, no impulso desses ventos, poderão se estabelecer as tais avaliações periódicas de professores, a tal “acreditação” da ação docente?

  2. Pingback: Paraná: metas e meritocracia demitem diretores – Grupo de Pesquisa em Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico

Deixe um comentário