A caminho dos “vouchers” no Brasil

Naércio Menezes examina a proposta de vouchers e escolas charters (terceirizadas) para a educação brasileira, constante do governo Bolsonaro. Ele critica a adoção de vouchers, com base no fracasso generalizado da  proposta, mas entende que as conveniadas (terceirizadas) podem ser um caminho para “chacoalhar a educação brasileira”.

No entanto, o autor se esquece de que as conveniadas ou terceirizadas tipo charters, são um passo inicial em direção aos vouchers. As duas propostas aparecem na história da privatização da educação de forma concomitante. Se não se corta o mal pela raiz, ele desabrochará. As conveniadas são o passo inicial em que o Estado cria o mercado para os vouchers, através de repasse de recursos públicos para a iniciativa privada.

Além disso, os dados mostram – e este blog tem apresentado tais dados – que as escolas conveniadas (terceirizadas), igualmente aos vouchers, não melhoraram a educação onde foram instaladas. Não haveria razão, portanto, para se criticar uma e não a outra alternativa – a não ser a fé no livre mercado como gerador de qualidade, promessa que as duas não conseguiram cumprir.

O que se oculta é o óbvio: aos poucos, a transferência dos recursos públicos para a iniciativa privada, vai devastando as escolas públicas nos locais onde se criam conveniadas. Não existem dois dinheiros: ou ele vai para melhorar a qualidade da escola pública, ou ele vai para o bolso do empresário conveniado. As terceirizadas são a morte anunciada da escola pública.

No entanto, o autor considera que:

“Para isso, seria bom usar os recursos públicos com o intuito de estimular competição por alunos entre as escolas públicas e as geridas pelo setor privado, permitindo que as famílias possam escolher as unidades de sua preferência usando dinheiro público. O grande desafio é a regulação do sistema. Por esse motivo, o modelo de escolas conveniadas gerido por organizações privadas parece ser a melhor opção para chacoalhar a educação brasileira.”

Leia texto completo aqui.

Aos poucos, os defensores da privatização da educação vão se apresentando (veja aqui também a posição do criador do IDEB), revelando a raiz da crítica que sempre formularam à educação pública a partir de dados do PISA, IDEB e outras formas de medição como o SAEB censitário.

Nos Estados Unidos, as terceirizadas, lá chamada de charters, também nasceram com o objetivo de gerar “boas práticas”, novas formas criativas de se ensinar, para que tais “boas práticas” fossem, depois, repassadas para as escolas públicas.

Mas isso revelou-se apenas uma desculpa para iniciar o processo de criação do mercado da privatização em direção aos vouchers e neovouchers. As próprias terceirizadas, depois de constituídas, passaram a aceitar os vouchers. Assim, as próprias charters  (com ou “sem” finalidades lucrativas) tornaram-se um objetivo em si mesmo, nas mãos do “mercado”, com a finalidade de ganhar dinheiro captando vouchers.

Portanto, não existe esta separação que Naércio quer fazer entre “vouchers” e “conveniadas”. Ambas são formas articuladas de se promover a privatização da educação. Ambas não cumpriram as promessas de melhoria da qualidade da educação.

A função da privatização é acelerar a adoção do modelo empresarial como forma de organização da escola e inserir alunos, professores e gestores na lógica concorrencial do mercado, que aposta no desenvolvimento de uma concepção de educação voltada para o individualismo e a concorrência entre professores, alunos e escolas. Uma ideia nefasta que gera no âmbito da educação, como no mercado, ganhadores e perdedores em um espaço onde só deveriam haver ganhadores.

Inseridos nesta lógica individualista, a vivência da concorrência vai instalando a competição na juventude, no lugar da solidariedade, e vai corroendo, por dentro, a própria democracia, transformando o direito à educação em um serviço a ser adquirido no mercado.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Escolas Charters, Meritocracia, Privatização, Responsabilização/accountability, Segregação/exclusão, Vouchers e marcado , , , , , , . Guardar link permanente.

4 respostas para A caminho dos “vouchers” no Brasil

  1. altinojosemartins disse:

    Preciso do email do professor Freitas para lhe fazer um convite.Prof Altino com abraços Enviado do meu smartphone Samsung Galaxy.

  2. Zara disse:

    Embora o Naércio seja um pesquisador sério, na minha opinião, a discussão que ele faz sobre Charters e voucher sempre foi míope; mantém intocada uma série de questões e superdimensiona outras. No limite, parece ser mais uma crença na capacidade da competição do que, propriamente, qualquer evidência. A questão das “boas práticas”, por exemplo, desconsidera, por completo, as capacidades institucionais de entes municipais diferentes, além disso, as agências regulatórias já deram muitas provas da baixa capacidade reguladora de arranjos dessa ordem.

  3. Pingback: Educação em debate, edição 233 – Jornal Pensar a Educação em Pauta

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