Continuação de post anterior.
Nossa resposta a esta questão [por que a reforma empresarial prossegue em meio à falta de evidência de seu sucesso?] é que não são os resultados quantitativos destas políticas que importam, mas sim, a vivência em uma escola planejada como uma “organização empresarial”, cujo ethos é o da concorrência e da meritocracia. São na realidade estes resultados qualitativos que importam, ao permitir que a juventude vivencie, ao nível da sua formação escolar, as teses da “democracia do livre mercado” e da concorrência.
Essa percepção se firma ainda mais quando consideramos que, agora, não apenas se tem interesse no controle dos conteúdos “cognitivos”, mas também se incluem as tais “habilidades sócio-emocionais”, entre elas a resiliência.
Como assinala Streeck (2016), a resiliência está associada a “distúrbio”, ou à capacidade de adaptar-se ou ajustar-se à “inovação” que pode ser disruptiva, típica dos momentos de incerteza ou ainda dos processos concorrenciais. Tem o significado de “tornar-se forte novamente” ante as dificuldades persistentes, habilidade essencial em um mundo onde ter mérito, ou seja sobreviver, está associado a vencer o concorrente.
A escola é sequestrada para que seja o palco da formação para a concorrência (em oposição à formação para a solidariedade), para o domínio do seu “inimigo concorrencial”, seu próprio colega da escola ou das outras escolas, seus professores ou as demais escolas em luta pelo melhor índice nas reiteradas avaliações.
É esta atitude que está sendo ensinada quando convertemos a escola em um ambiente concorrencial. Por isso, a reforma empresarial, mesmo fracassando nos resultados quantitativos, continua gerando um resultado qualitativo, uma visão de mundo, que é vital para a manutenção da lógica neoliberal que terceirizou para o indivíduo, pela meritocracia, o próprio sucesso ou insucesso, isentando o próprio sistema por não ter conseguido promover o progresso coletivo – tarefa com a qual a modernidade havia se comprometido. O sistema quer reafirmar, agora com maior radicalidade, que só é responsável por “dar a oportunidade”. O indivíduo é que a concretiza ou não, sem intervenção do Estado.
Caso não seja bem-sucedido, deve culpar a si mesmo e não as instabilidades sistêmicas que devem ser consideradas próprias da concorrência, próprias da vida. Mas, se for bem-sucedido, não deve deixar de louvar o livre mercado, agora elevado à categoria de uma “nova democracia”, onde o Estado cuida não mais de uma “res-pública”, mas de uma “res-mercatori” a serviço dos monopólios (Dowbor, 2017) em um movimento suicida e sem fim destinado a acumular capital para acumular mais capital.
Wallerstein (2001) mostra a funcionalidade da meritocracia no âmbito do capitalismo, ao denunciá-lo como uma ideia pretensamente universalista que colocaria o progresso ao alcance de todos. A meritocracia sugere que todos poderão chegar ao andar de cima do capitalismo, desde que tenham mérito, o que depende do esforço pessoal.
No entanto, ao mesmo tempo que a meritocracia “explica e justifica” que o andar de cima seja o mais rico, justifica igualmente que o andar de baixo não o seja. Mais ainda, para conter esta universalidade, o capitalismo aciona simultaneamente explicações biológicas baseadas no racismo e no sexismo, de forma a justificar que nem todos poderão chegar aos céus do capitalismo.
Em uma situação sistêmica praticamente caótica, a meritocracia (combinada com o racismo e com o sexismo) é o cimento que o capitalismo precisa para enfrentar um período de intensas crises de acumulação e evitar que surjam novas revoltas. Justificada a posição social daqueles que por incompetência própria não podem acender aos céus, então, como aponta Gamble (1988) retira-se destes, em seguida, o próprio direito à reivindicação de melhores condições objetivas de vida. São apenas massas fracassadas sem direito algum e que estão a sobrecarregar, com gastos sociais, os honestos e esforçados pagadores de impostos – um verdadeiro roubo que funciona como um prêmio para os incompetentes e uma punição para os competentes (MacLean, 2017).
Continua no próximo post.