Ao inserir professores, estudantes e funcionários na batalha da concorrência por verbas do Estado, o Ceará instala uma política para a qual não há limite de danos. É da lógica concorrencial gerar efeitos colaterais. Ela tem embutida o sentido da sobrevivência do mais apto ou do mais forte. O que importa é vencer. As consequências dessas politicas já foram examinadas na literatura internacional, nacional e neste blog.
Um estudo publicado por Eric Passone e Karlane Holanda Araújo – Dispositivo de avaliação educacional do Ceará: a (in)visibilidade dos estudantes deficientes – publicado em Cadernos de Pesquisa, mostra as consequências de se inserir as escolas em uma concorrência por verbas estaduais a partir do rendimento dos estudantes em testes.
O Estado do Ceará instalou politicas de accountability e, complementarmente, liberou as escolas para que não contabilizem os resultados dos estudantes que, devidamente atestados por médicos, apresentem “deficiência”.
Uma Portaria do governo “estabelece os estudantes que não serão contabilizados no “cálculo da participação e da proficiência”, na medida em que se enquadrem nas seguintes condições: a) alunos com deficiência; b) alunos cumprindo medida privativa de liberdade ou em situação de acolhimento institucional; entre outros casos específicos” – escrevem os autores.
Dessa forma, entre outros problemas éticos, abre-se uma grande porta para que as dificuldades pedagógicas apresentadas pelos estudantes sejam medicalizadas.
“Em decorrência das considerações apresentadas, pode-se concluir que o espírito contábil desse dispositivo paire sobre as salas de aula, salas de professores, bibliotecas, direção escolar, enfim, sobre todo o espaço e o tempo escolar. Diante dessa ambiência escolar, como ficam os alunos com deficiência? Uma parcela significativa de alunos são tornados invisíveis para o sistema de avaliação, espécie de “higienismo tecnocrático” que visa à limpeza ou ocultamento de dados indesejáveis que viessem a macular o quadro de desempenho institucional? Por ora, para tal dispositivo, esses alunos não existem, não contam. Em suma, tal dispositivo contábil de gestão revela um perigoso mecanismo de desfiliação e degradação simbólica do laço social que se pretende construir a partir de uma cultura inclusiva e uma educação de qualidade para todos.”
Só há um caminho para enfrentar esta realidade: não vincular consequências (fortes ou fracas) a resultados de avaliação de desempenho dos estudantes, dos professores ou das escolas. Isso não leva a melhorar a qualidade da educação até porque, como insiste Diane Ravitch, “nota mais alta não é sinônimo de boa educação”.
Quanto mais rapidamente nos convencermos disso, mais rápido também poderemos encontrar o caminho correto para melhorar a qualidade da educação, confiando em nossos professores, nas nossas escolas e dando condições adequadas para que cumpram seu papel.
Resumo do artigo
“Este artigo trata do paradoxo da inclusão escolar na política de avaliação da educação básica do estado do Ceará, unidade federativa que se destaca entre os sistemas estaduais de ensino do país em termos de indicadores de proficiência no ensino fundamental, embora haja no interior de seu sistema um dispositivo normativo que deduz do cálculo da avaliação o desempenho dos estudantes deficientes, gerando um estado de “exclusão interna” ao sistema escolar. A partir do debate acerca das políticas de avaliação como mecanismo de gestão educacional no contexto nacional e da observação de estudos que apontam a tendência excludente da avaliação em larga escala em relação à educação inclusiva, aborda-se um dispositivo de lei que promove a exclusão da educação especial dos resultados provenientes das avaliações do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece).”
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Caro Prof. Freitas,
Ficamos honrrados com sua publicação ou “post sobre nosso artigo. É um tema muito polêmico e sensível que precisa ser denunciado,. Muito grave!
Saudações fraternas.
O trabalho de vocês é importante. Continuem esclarecendo, isso é resistir… Luiz Carlos