Na área de educação, começa mal a transição

Estamos todos acompanhando atentamente os primeiros movimentos do governo Lula, centrados nas tarefas de transição. Por falta de articulação, pelo menos na área da educação, reina uma grande desinformação sobre o processo. E quando há desinformação, isso significa que se está fora do processo.

É assim que muitas das entidades de organização de base na área da educação começam a sentir-se: por fora. Um mau início para um governo que, ao longo de quatro anos, necessitará de apoio não só no Congresso, mas na base social.

Que reação esperavam os organizadoras da área temática da educação na transição ao realizarem uma reunião repleta de ongueiros e fundações empresariais? Que reação esperavam da área da educação ao não garantirem a presença das principais entidades da área? E ainda lemos pela imprensa, que Tebet do MDB ou Izolda que até outro dia estava no PDT, ex-secretaria da educação de Sobral – tida como “modelo” para a reforma empresarial na educação – são fortes candidatas a serem indicadas para o Ministério da Educação. Sem contar que movimentos como o Todos pela Educação também estavam presentes na reunião do GT da transição.

Que as negociações teriam que ser amplas, todos sabíamos. Ao escolher Geraldo Alckmin para a vice-presidência, se fez uma opção. No entanto, para deter Bolsonaro, foi preciso compor com a socialdemocracia de centro direita. Mas não se pode apagar a história. Alckmin militou no PSDB, no Estado de São Paulo, um partido que conduziu nos últimos 20 anos uma reforma da educação dentro de princípios empresariais, com pagamento de bônus por atingimento de metas nas escolas, por exemplo, e planejada pelos gurus da reforma empresarial que migraram para o governo Temer e depois para o Conselho Nacional de Educação durante o governo Bolsonaro – sem ter nunca tirado os pés de organizações financiadas por empresários. E imagino que estão ávidos para voltar a ter espaço no MEC.

Uma aliança ampla, no entanto, foi necessária e não significa que deixamos de reconhecer que os resultados de uma eleição apertada como a que tivemos, atestam a correção da montagem desta frente ampla.

Isso posto, também não significa que as forças mais à esquerda devam deixar de ser incorporadas ao debate ou deixar de apresentar sua visão programática para o governo, aceitando antecipadamente o predomínio de forças de centro direita. Nem significa que não tenham acesso direto ao debate, tendo que valer-se de terceiros para fazer chegar suas propostas. Se estamos em uma frente ampla, que as negociações sejam, então, amplas. Mas para isso, todas as partes devem sentar-se à mesa. Não basta divulgar um comunicado dizendo que foi uma reunião com posições divergentes, com o objetivo de passar uma imagem plural que teria contemplado todas as visões.

Está na hora das entidades educacionais representativas reivindiquem canal direto na transição e façam valer o carater de frente ampla deste governo que se inicia.

Hoje, Rodrigo Ratier, divulga em seu blog um post denominado: “Na educação, barco da transição de Lula deriva para a direita empresarial”. Não há como contestá-lo. Como ele diz, a respeito de uma reunião do Grupo de Trabalho ocorrida, junto com colaboradores “voluntários”:

“Três players – Itau/Unibanco, Natura e o empresário Jorge Paulo Lemann, segundo homem mais rico do Brasil, financiam no todo ou em parte instituições que emplacaram 18 dos 46 nomes divulgados. Algumas, como Fundação Lemann, Todos pela Educação e a minúscula Profissão Docente, possuem mais de um representante no GT.”

Leia mais aqui.

Por mais que seja um primeiro movimento que será seguido por outros, o fato é que não se viu ali o presidente da Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação ou de outras entidades educacionais como a ANPED, ANPAE, ANFOPE, para citar algumas.

Minha conclusão é a mesma de Ratier: “começa mal a transição”. Mas ainda há como corrigir.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Transição 22. Bookmark o link permanente.

28 respostas para Na área de educação, começa mal a transição

  1. OLINDA MARIA NORONHA disse:

    Perfeita sua analise Luiz Carlos.
    Sugeri seu nome para a equipe de transição, junto ao nome de Roberto Leher, no canal do Histedbr, também foi sugerido o nome da Helena e do Gaudencio Frigotto.

    Essa composição está de fato muito tendenciosa.
    Olinda

    • Margareth Tavares Lopes disse:

      Quem não conhece a escola pública,embarca nessa visão dessas fundações que vendem projetos maravilhosos(e nada funcionais).Literalmente viajam na “maionese”

  2. Maria Esperança Fernandes Carneiro disse:

    É preciso corrigir o rumo e chamar para participarem os movimentos sociais.

  3. Rosangela disse:

    Absurdo professores dos cursos de Educação/Pedagogia de universidades públicas, reconhecidos nacional e internacionalmente, NÃO serem chamados para participar da transição.

  4. Heloisa R. Herneck disse:

    Votei no Lula na desde os meus 18 anos, até a primeira vez que se elegeu. Deixei de voltar e voltei a votar agora nessa situação extrema. Estou tão cansada do inferno que vivemos esses quatro anos que tenho ficado quieta. Mas nunca tive a ilusão de que a Educação mudaria os rumos em que estavam, mesmo porque o “Todos pela Educação” foi aprovado no governo Lula. Haddad exerceu papel fundamental enquanto ministro da Educação para aprofundar as políticas neoliberais no Brasil, inclusive a grande mudança como fortalecer a presença do empresariado na Educação, bem como organizar o sistema de avaliação de professores e estudantes com base na meritocracia. Ainda não será dessa vez para a Educação. Talvez tenhamos que chegar ao fundo do posso para chegar a um presidente que de fato, pense uma educação com educadores para mudar esse senário.

  5. Elane disse:

    Fico triste com isso!!
    A muito tempo a Educação necessita de alguém forte que realmente faça valer!!
    O Japão é um grande exemplo do que pode acontecer com uma nação que coloca a educação como prioridade!!
    Cheguei a pensar que Lula colocaria o Hadadd como ministro da Educação. Penso que seria uma boa opção. Vamos ver o andar da carruagem!!!

  6. Walter Falceta Jr. disse:

    É absolutamente impressionante… Não tem uma semana esse início de consulta ampla sobre a Educação e todos os outros temas… É o início do início do início da transição. E já se agigantam as vozes da detração. Esse “começa mal” do título é venenoso, tóxico e traiçoeiro. Ainda sobram bolsonaristas na rua exigindo a intervenção militar, e já tem gente (de esquerda!) afobada esculhambando com o não-inaugurado governo Lula. Não deram dez dias para o metalúrgico e já começaram a repetir 2013. Teria sido melhor com Bolsonaro? É o desespero por protagonismo a todo custo. É o mantra personalista e sectário do “meu pirão primeiro”, do “olhe pra mim”, do “pense em mim”, do “não olhe pra ele”, como se fosse fácil montar um governo de coalizão, que derrotou o fascismo por menos de 2% dos votos válidos. Mas pra que precisamos de inimigos se já temos fogo amigo dessa intensidade? Perseverem. É capaz de conseguirem impedir a posse do Lula.

    • Este é o velho discurso chantagista de sempre…

      • Walter Falceta Jr. disse:

        Por comodidade, pego carona no bom ensaio de Cezar Luiz de Mari, UFV/MG. O título é:

        “O papel educador dos intelectuais na formação ideológica e hegemônica em Gramsci: uma perspectiva de emancipação humana”.

        Segue o trecho que me parece fundamental neste debate.

        “Na modernidade o intelectual está ligado ao trabalho industrial, que supera o espírito abstrato, mas mistura-se constantemente na vida prática, como construtor, organizador, superando a relação técnica trabalho para chegar à técnica-ciência e torna-se especialista e dirigente.

        Gramsci também define as duas categorias de intelectuais, o orgânico, proveniente da classe social que o gerou, tornando-se seu especialista, organizador e homogeneizador, e o tradicional que acredita estar desvinculado das classes sociais.

        São os que nascem numa determinada classe e cristalizam-se, tornando-se casta, como exemplo mais típico os clérigos, hoje podemos acrescentar os militares, os PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS e outros.

        A organicidade dos intelectuais pode ser medida pela maior ou menor conexão nas funções superestruturais, ou da sociedade civil e seus aparelhos privados de hegemonia.

        Os intelectuais exercem as funções da hegemonia e do governo político em nome da classe dominante, constituindo-se nos “caixeiros” dos interesses desta.

        Os intelectuais têm a função de unificar os conceitos para criação de uma nova cultura, que não se reduz apenas à formação de uma vontade coletiva, capaz de adquirir o poder do Estado, mas também a difusão de uma nova concepção de mundo e de comportamento.”

        Portanto, precisamos de mais intelectuais orgânicos, com percepção de classe e práxis realista de transformação, e muito menos de intelectuais tradicionais, alheios à superestrutura, interessados prioritariamente nos assuntos de sua corporação de ofício e de sua casta.

    • KLEBER MENDES PEREIRA DIAS disse:

      Excelente análise.

    • Marisa Ferreira disse:

      Parabéns pela análise!

    • Marisa Ferreira disse:

      Um retrato irretocável do momento em que vivemos. Parabéns!

    • Ivanda disse:

      Bravíssimo. As linhas tortuosas que foram criadas precisa de uma equipe que saiba dialogar e se a equipe não tiver este perfil, os argumentos e coração de aço do gigante deverá ser capaz de mobilizar reflexões e impedir novas barbáries em todas as pastas.

  7. Marisa Ferreira disse:

    Transição de governo tem como objetivo assegurar que o Presidente da República eleito possa receber informações e dados necessários acerca do que foi realizado na gestão anterior. Nesse sentido, a escolha dos participantes está correta, uma vez que a política educacional do governo bolsonaro naufragou em águas empresariais. É preciso ficar claro que a equipe de transição não define políticas educacionais. No máximo, ajuda a formular o quadro atual do sistema educacional.

    • Ok, sim. E que dados de governo estão dando os ongueiros reunidos?

      • Marisa Ferreira disse:

        Em seguida ao processo de transição, as informações obtidas serão avaliadas com base nas avaliações externas, em nível nacional e internacional, e em dados que, obrigatoriamente, as entidades representativas como: a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação, a ANPED, ANPAE, ANFOPE, para citar algumas, devem te registrado durante os governos Temer e Bolsonaro. Colocar as entidades, citadas acima, na equipe de transição, salvo melhor juízo, seria admitir que elas participaram, ao lado das Ongs, dos movimentos em torno da BNCC e da Reforma do Ensino Médio, e, por inércia ou falta de espaço, não conseguiram reverter o caos que se instalava. Contudo, confiando que, agora, elas possam contribuir com ações mais potentes e transformadoras, espero vê-las no processo de construção de uma nova política educacional, já esboçada no plano de governo Lula.

      • Ótimo, esperamos isso. Mas a inabilidade na condução do processo faz com que não seja apresentado claramente como metodologia por quem tem poder para tal. Isso o se deve, penso, a que Haddad, que não quer ficar na educação, seja colocado como condutor do processo, de fato, é esteja com a cabeça na economia onde quer ficar. Só isso já é um desrespeito para com a área da Educação. Temos hoje um preposto do Haddad cuidando da área da educação na transição.

      • Marisa Ferreira disse:

        Ainda é cedo para avaliar as atividades da equipe de transição. Por enquanto, o fundamental é ter claro que Paim não é um novato na educação. Sua trajetória no meio educacional, nos governos do PT, é rica e reconhecida pelo Haddad. Transcrevo, abaixo, alguns aspectos de sua trajetória:
        Henrique Paim foi subsecretário especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência, em 2003, durante a gestão de Lula. Depois, foi presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em 2004. No ano seguinte, assumiu a função de secretário-executivo do MEC, cargo em que ficou por nove anos até virar ministro do governo Dilma. Depois de deixar o Ministério da Educação, foi diretor da área social do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre 2015 e 2016. Nada mal, não é mesmo?

      • Se este é o critério…

      • Marisa Ferreira disse:

        Trajetória de vida profissional é sempre um bom critério e merece respeito, quando exercida com dignidade
        Apesar de totalmente desmerecida em alguns governos, o fato é que nem todos têm uma trajetória para apresentar. A de Paim, com certeza não será a de “preposto de Haddad”. Em lugar disso, por força do senso ético, o correto é dizer que, na função de secretário executivo do MEC, Paim foi um grande colaborador de Haddad quando este ocupou o cargo de ministro da educação.

  8. Marisa Ferreira disse:

    Trajetória de vida profissional é sempre um bom critério e merece respeito, quando exercida com dignidade
    Apesar de totalmente desmerecida em alguns governos, o fato é que nem todos têm uma trajetória para apresentar. A de Paim, com certeza não será a de “preposto de Haddad”. Em lugar disso, por força do senso ético, o correto é dizer que, na função de secretário executivo do MEC, Paim foi um grande colaborador de Haddad quando este ocupou o cargo de ministro da educação.

    • Deviam, então, ter aberto um “processo seletivo”, se este é o critério.
      O fato é que toda esta confusão poderia ter sido facilmente evitada. O fato é que todo o currículo não deu conta do encaminhamento.

    • Juliana disse:

      Infelizmente não vai mudar muita coisa. Quem está na educação básica, principalmente em escolas públicas, vai continuar sofrendo com a precarização do ensino. Não consigo imaginar alguém que bata de frente com essa política neoliberal. O Haddad, que muita gente exalta por ser professor, não foi um bom prefeito pra educação paulistana (mesmo assim votei nele nas duas últimas eleições).

  9. Marisa Ferreira disse:

    A transição não será fácil, porque não depende exclusivamente de quem chega. A melhor metodologia, com certeza, esbarraria nas dificuldades próprias de um sistema preparado para dificultar o processo.

  10. Eu, Omar Costa, professor de Matemática da rede estadual do RJ, vejo que URGE uma Reforma da DEforma do ensino médio que entrou em vigência nesse DESgoverno, pois a grade curricular de ensino foi altamente prejudicada, aqui no RJ os alunos do terceiro ano não tem aulas de Física, Química, Biologia, Filosofia, etc…, as demais séries do ensino médio também foram prejudicados por uma grade muito pior que a de antes da DEforma.
    Não vi fazer parte do grupo de transição sindicatos e professores da rede pública do ensino básico.

  11. Pingback: Educação na transição de governo - A TERRA É REDONDA

  12. Edson Ferreira disse:

    Tem que dar tempo ao tempo, em quatro dias e um tempo curto de mais.
    Tudo vai dar certo.

Deixe um comentário