Acorda Gustavo

No Japão todos se curvam perante o Imperador – menos o professor. E não me consta que o Imperador faça um teste para saber quais são os bons ou maus professores. Reclamam do salário também, mas são respeitados.

No entanto, no Brasil dos reformadores empresariais, Gustavo Ioschpe (G.I.) se permite pontificar em seu artigo na Veja, chamado “Professores, acordem!” de 11-05-2014 que:

“… nos últimos anos tenho chegado à conclusão de que falar com o professor médio brasileiro, na esperança de trazer algum conhecimento que o leve a melhorar seu desempenho, é mais inútil do que o proverbial pente para careca.”

Para GI, os professores são ignorantes e não conhecem a realidade. Ele sim conhece. Não me consta que ele dê aulas no ensino básico, mas quem sabe… ainda se lembre de algo do seu tempo de estudante.

Gustavo Ioschpe é proprietário e presidente da G7 Cinema, empresa dedicada a produção e distribuição de filmes cinematográficos, operação de salas de cinema e edição de livros. Ioschpe participa de algumas organizações não-governamentais brasileiras ligadas à área da educação. É membro fundador do  Todos pela Educação e membro dos Conselhos do Instituto Ayrton Senna  e Fundação Iochpe. Também participa do conselho de administração da Maxion-Ioschpe onde substituiu seu pai em 2007.

O mau humor de GI é agravado pela rejeição que sofre entre os próprios reformadores empresariais. Pelo seu radicalismo, ninguém faz eco a ele, só a Veja. Ele precisaria ouvir as “cobras e lagartos” que se diz dele entre os próprios reformadores. Nem mesmo estes toparam as placas com o IDEB que ele queria levantar em cada escola. Passa seus dias ganhando dinheiro com seus empreendimentos e nas horas vagas é franco atirador contra aqueles que deveriam ser respeitados pela tarefa que têm em suas mãos, ou seja, a tarefa de formar as novas gerações por um valor mensal muito inferior ao que ele ganha.

Diz ele:

“A imagem que vocês vendem não é a de profissionais competentes e comprometidos, mas a de coitadinhos, estropiados e maltratados. E vocês venceram: a população brasileira está do seu lado, comprou essa imagem (nada seduz mais a alma brasileira do que um coitado, afinal). Quando vocês fazem greve — mesmo a mais disparatada e interminável —, os pais de alunos não ficam bravos por pagar impostos a profissionais que deixam seus filhos na mão; pelo contrário, apoiam a causa de vocês. É uma vitória quase inacreditável.”

Menos GI. Estamos avançando, mas ainda não podemos falar em vitória. Mas a teremos. Incrédulo e desanimado, ele acha que toda a população brasileira está errada. Foi enganada pelos professores. Mas ele, com sua sabedoria, não foi. Curvemo-nos ao sábio e honorável guru. Entre GI e os 80 pesquisadores ao redor do mundo que questionam suas sábias estratégias para melhorar o ensino e os professores, fico com os últimos.

Irado em seu “artigo” na Veja, GI vaticina:

“Os 10% do PIB e os royalties do pré-sal serão a danação de vocês. Porque, quando essa enxurrada de dinheiro começar a entrar e nossa educação continuar um desastre, até os pais de alunos de escola pública vão entender o que hoje só os estudiosos da área sabem: que não há relação entre valor investido em educação — entre eles o salário de professor — e o aprendizado dos alunos.”

Curioso como negando que o salário seja central, fixa sua análise exatamente no salário. Coloca nas costas dos sindicatos e professores algo que ele inventou. A questão não é só salarial e os professores e seus sindicatos sabem muito bem disso. Além disso, os sindicatos estavam aqui muito antes da qualidade da educação ser um problema.

Mas… note bem – ele já tem a solução:

“Existem muitas coisas que vocês precisarão fazer, na prática, para melhorar a qualidade do ensino, e sobre elas já discorri em alguns livros e artigos aqui.”

Leiam GI, é simples. De preferência, contratem-no para palestras. Ilustrem-se…

“… vocês não podem menosprezar a ciência e os achados da literatura empírica sempre que, como na questão dos salários, eles forem contrários aos interesses de vocês. Ou vocês acreditam em ciência, ou não acreditam.”

Bem, se usarmos a lógica de GI com seu próprio “artigo” na Veja, podemos chegar a conclusão idêntica: seu artigo é absolutamente inútil para a formulação de políticas públicas exatamente por esta razão. Ignora a ciência disponível. Se GI levasse em conta a evidência disponível sobre suas ideias, não persistiria nelas. Sua conversa é a mesma dos reformadores empresariais americanos nos últimos 30 anos. Não consta que ela tenha melhorado a educação americana. Isso sim é ciência. E está disponível para estudo. No Chile, mesma coisa, com a novidade que o país agora começa um processo de reversão da aplicação das ideias que GI propõe, após passeatas que variaram entre 80 e 100 mil pessoas. Acorda Gustavo.

O fenômeno educacional é multideterminado. Se isolar o salário do contexto, ele não resolve. Não há bala de prata em educação. Mas se lidar com o salário no contexto das outras variáveis (por exemplo, nível sócio econômico do aluno, escola de tempo integral, infraestrutura da escola, etc.) então, o conjunto faz diferença.

E claro, para quem é empresário e não vive de salário, é sempre fácil dizer:

“… abandonem essa obsessão por salários. Ela está impedindo que vocês vejam todos os outros problemas — seus e dos outros. O discurso sobre salários é inconsistente.”

Finalmente, GI termina com uma pitada de empreendedorismo salvacionista empresarial:

“O respeito da sociedade não virá quando vocês tiverem um contracheque mais gordo. Virá se vocês começarem a notar suas próprias carências e lutarem para saná-las, dando ao país o que esperamos de vocês: educação de qualidade para nossos filhos.”

Está dito.

Bem, fiquemos por aqui. Na Roma antiga, para cada cristão que era lançado aos leões, apareciam outros dez. O melhor é não fazermos mártires. Vai passar.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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67 respostas para Acorda Gustavo

  1. Claudio Nunes disse:

    Li e compartilhei. Sua análise é necessária. É preciso continuar militando para haver compreensões coerentes.

  2. Andresa Maria de Lima Pontes Ferreira disse:

    Gustavo Ioschpe é simplesmente insipiente.

  3. Marli Marin disse:

    Professor Luiz Carlos, olá! Apreciei muito a sua reflexão. Parabéns! Q!uero compartilhar uma resposta que enviei à revista Veja, ontem. Diz assim: Permitam-me fazer algumas perguntinhas… Por que a Veja não sugere uma remuneração de 3 salários mínimos aos políticos do país, aos advogados, aos engenheiros, aos médicos, aos psicólogos, enfim, a todos os profissionais… E propõe qualidade no trabalho como condição para o reconhecimento do mesmo pela sociedade?… E para agravar a situação, sabemos que o professor é o formador de todos esses profissionais!… Você, caro jornalista Gustavo Ioschpe, também se formou na sua profissão porque teve professores competentes na sua vida! (Ou aprendeu tudo sozinho…???!!!…). Não podemos negar que existem professores com pouca competência, porém, isso não existe somente no setor da educação, mas em todos os campos profissionais, inclusive no campo político. Então… Por que falar mal somente dos professores? Por que a revista tem o terrível dever de propagar uma ideologia dominante opressora?… O que a Veja recebe para isso?… Nós, professores, recebemos esta publicação como causadora de DANOS MORAIS, uma vez que se escreveu de forma radical, com generalização, com visão parcial da realidade e ofendendo moral e eticamente os profissionais (a maioria) que se empenham por uma educação de qualidade em um país que tem um discurso em prol da mesma e uma ideologia que busca promover um ensino de má qualidade porque um povo culto incomoda os governantes e os meios de comunicação social (como estou incomodando agora, certamente… Não que eu seja totalmente culta, mas tenho conhecimento suficiente para reconhecer as ideologias dominantes da nossa sociedade capitalista e faço isso com propriedade…). Então… Nem “vitimismo” e nem opressão… Que tal a revista Veja estudar a educação brasileira e, principalmente as políticas públicas que a prejudicam; e enxergar os diversos fatores que comprometem a qualidade no ensino brasileiro? Feito isso, que tal propor ações conjuntas que visem melhorar efetivamente a educação brasileira? O povo do nosso país seria eternamente grato a uma revista que se apresenta como conhecedora de tudo… Vou finalizar pedindo para publicarem este comentário e, mesmo se não o fizerem, ele será propagado pelos “quatro cantos” das redes sociais. Milhares de brasileiros irão lê-lo, posso garantir isso. Obrigada pela atenção! Boa reflexão!… Atenciosamente, uma professora que em pleno domingo, parou de preparar dedicadamente as suas aulas, para ler este artigo da Veja e tentar dar uma contribuição positiva para a mesma e para os leitores, principalmente. E quero salientar que estou preparando aulas hoje, não porque me sinto “vítima”, mas por ter compromisso com meus alunos e com a educação. E por buscar uma educação de qualidade, mesmo em meio aos empecilhos decorrentes do nosso sistema capitalista.
    ________________
    Atenciosamente,
    Marli Marin

  4. Marli Marin disse:

    Compartilhei e vou compartilhar mais esta reflexão. Excelente!

  5. Vanessa bastos disse:

    Só gostaria de saber se existe alguma profissão que não tenha antes passado pelas mãos de um professor? Pois o próprio Gustavo deve ter tido excelentes professores, porque suas produções de textos são bem articuladas, e o mesmo não faz jus aos professores que o qualificaram.

  6. Meu querido Prof. Luiz Carlos de Freitas. Sou seu leitor desde o início dos anos 80, quando comecei a lecionar na rede pública do estado de São Paulo. Sempre me inspirei nas suas ideias e ensinamentos sobre educação-educador-ensino. Me permita dizer-lhe que sempre fui um devorador de ti com muita fome de aprendizagem e conhecimento. PARABÉNS PELO SEU TEXTO “Acorda Gustavo”! Muito precioso e oportuno. Deixo aqui, também, o comentário que fiz à revista Veja, após ler esse ataque barato do sr. Gustavo Ioschp, contra nós Professores e à Educação. Está nas redes sociais, pois, a exemplo da colega Marli Marin ACHO QUE NÃO PUBLICARAM NA REVISTA. PORQUE SERÁ?….
    Eis, meu comentário: O que dizer sobre o pensamento de um sujeito como esse tal Gustavo Ioschpe? O que esperar de uma revista como essa que o emprega, a VEJA? Se a boa qualidade do ensino e a educação no Brasil não vão bem (e não vão mesmo), não é pura e simplesmente culpa dos professores, como afirma o “sabichão” articulista. A falta de um boa qualidade do ensino advém há décadas, por conta de uma política perversa de desvio de recursos da educação para outros fins, da qual a própria VEJA se beneficiou e continua se beneficiando para manter em seu quadro funcional pessoas desse nipe, para escrever tantas asneiras e se acharem os suprassumo do conhecimento. Diz que nós, professores, somos absolutamente dispensáveis e que podemos ser trocados por qualquer pessoa da rua. Nos chama de inúteis irrecuperáveis. Apresenta quatro “sugestões” para darmos uma educação de qualidade aos filhos deles (e será que ele tem filho na escola pública?). Colegas professores, poderíamos lançar um desafio ao sr. Gustavo Ioschpe, já que podemos ser trocados por qualquer pessoa da rua, que ele venha “dar aula” numa escola pública, pelo menos um bimestre. Só um bimestre. E eu deixo aqui também um pedido às entidades sindicais dos professores no Brasil (já que a VEJA tem circulação nacional), APEOESP, Simpeem, (SP), e as dos outros estados, assim como a CNTE, que movam uma representação contra esta revista e este articulista. E, se este sr. Gustavo Ioschpe for um jornalista, peço também ao Sindicato dos Jornalistas que apure sua ética profissional. Por fim, defendo a liberdade de imprensa, mas defendo acima de tudo a ética. Quem falta com a ética não é merecedor de liberdade alguma. Compromete o trabalho sério de muitos profissionais da sua área de atuação e de outras, como a nós professores. E, lembrando que, por uma política do governo no estado de SP, vai para quase todas,senão todas as escolas estaduais. #duilioduka.

  7. Andresa Pontes disse:

    Repúdio ao Gustavo Ioschpe.

  8. Uma simples resposta ao nobre e querido GI, o qual tem a melhor solução para o ensino público e a extinção do magistério brasileiro na atualidade. Para este indivíduo que está revoltado, porque o dinheiro que seria investido na empresa dele é destinado a buscar caminhos para melhoria do ensino público, deixo abaixo meu comentário simples e objetivo, pois quem é ele para falar de uma profissão que deveria ser a melhor remunerada deste país, acusando-nos de sermos responsáveis pela destruição do ensino público . Vamos avaliar algumas questões como:
    1- Qual a origem familiar deste indivíduo?????? Ele é da favela , da periferia ou da área nobre???? Deve ser da terceira opção;
    2-Quantas escolas lecionou para tecer este tipo de comentário???? Se não trabalhou no magistério, principalmente na rede pública, jamais deveria escrever tal coisa;
    3-Se é casado, será que seus(uas) filhos(as) estudam em escola pública???????? Acho que não né!!!!!!!!!!! Você vive às custas do sofrimento dos menos favorecidos;
    4-Quantas conduções ele utilizava para deslocar-se ao trabalho durante o período que exercia sua função no ensino público? Acho que nenhuma, pois quem é de família humilde e vence na vida não esquece suas raízes;
    5-Quantas horas ficava sem se alimentar devido a carga horária excessiva para sobreviver e manter a família???????? Tenho certeza que nenhuma. Do jeito que escreve, com tanta soberba, nunca passou necessidade na vida;
    6-Será que foi agredido por aluno(a) e viu seus colegas também sofrerem tal agressão??????????? Pelo estilo de roupa ,acho que nunca. Deveria ter até segurança ao seu lado quando se deslocava para a escola;
    7-Para terminar, pois tenho que trabalhar neste momento, senão fico sem salário. Seus pais tem orgulho ou vergonha de você??????????? Sua entrevista elitista e descabida, além de ser inútil, somente serve para segregar os menos favorecidos, pois para conseguir ser professor tive que ralar bastante, sendo que meu exemplo de vida passo adiante e vejo muitos vencerem na vida, diante dessa educação horrível traçado por você, onde aqueles que ensinaram seus primeiros passos na escrita teriam vergonha de ler algo tão repugnante e imoral. Que DEUS dê muitos anos de vida para que veja nossa vitória, conquistada com responsabilidade e muita luta, sem precisar de falsidade e oportunismo.

  9. VALERIA CAMPOS disse:

    Professor Luiz Carlos, parabéns pelo seu excelente texto!

  10. Ótimo, Prof. Luiz Carlos! Sempre claro e embasado nas suas argumentações, pois o senhor é um pesquisador da educação, ao contrário do Gustavo que fala a partir do senso comum. O problema da educação no Brasil é que todo mundo acha que entende de educação e sabe o que deve ser feito: jornalistas, economistas e políticos… está na hora da educação ficar apenas a cargo dos especialistas.

  11. Parabéns professor pelas excelentes opiniões !

  12. Leonardo disse:

    Uma observação e solicitação de correção no inicio do texto, a afirmação que professor não precisa se curvar ao imperador no Japão é falsa. http://www.e-farsas.com/professores-nao-precisam-curvar-imperador-japao.html

  13. PJ disse:

    Um problema é que o binômio ensino-aprendizagem é um sofisma.
    O que funciona é ESTUDO-APRENDIZAGEM-ENSINO, para os professores
    e ENSINO-ESTUDO-APRENDIZAGEM, para os alunos,
    pois que não se ensina e nem se aprende sem estudar!
    Outro é que a educação é, sim, problema de todos os cidadãos, “especialistas” ou não,
    e que ser bem sucedido, empresário, rico não denigre ninguém que seja honesto!
    Mas, lembremos que em 2015 estamos na pátria educadora e tudo vai melhorar.

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