Pátria Educadora: novo texto, mesmas ideias – III

Mangabeira Unger está fora de controle. Enquanto Janine dirige o MEC, Mangabeira, com a desculpa da Pátria Educadora, criou o MEC do B. Nos últimos dias ele abriu pelo menos duas divergências públicas com o MEC: uma porque proporá sua própria base nacional comum e que é diferente daquela em elaboração na Secretaria de Educação Básica do MEC em pelo menos cinco pontos (veja aqui e aqui); outra com a proposta de uma organização de Sistema Nacional de Educação que também é diferente da que está em elaboração na SASE do MEC, e que é motivo da nossa discussão aqui.

Em relação a esta última polêmica pública, a proposta de lei complementar da SAE é apresentada em três momentos: uma parte inicial onde são apresentadas as “inovações” e mais dois anexos: o primeiro anexo apresenta a correlação da estrutura do anteprojeto de lei e as inovações institucionais; o segundo traz a emenda constitucional.

Como vimos no post anterior, o documento da SAE aparece em um clima de “fla-flu” com outro divulgado em junho pelo MEC. Note que este órgão tem uma “Secretaria de Articulação com os Sistema de Ensino” – SASE – dentro dele. É algo surpreendente que dentro de um mesmo governo, um órgão fora do MEC se considere em condições de produzir um documento próprio sobre educação, sem trocar com o ministério competente para tal.

A carta de encaminhamento do novo documento da SAE, a meu ver, ironicamente diz:

“Apoveitamos o convite público realizado pelo Ministério da Educação recentemente (no documento “Instituir um Sistema Nacional de Educação”) para ampliar o debate nacional com proposta concreta de arranjo para a cooperação federativa no Brasil. (grifos meus)”

Como assim? Dois Ministérios de um mesmo governo disputam o público? Não seria esperado que tais ministérios tivessem feito uma reunião entre eles e chegado, dentro do governo a uma ou mais posições de forma coordenada? Não seria mais apropriado que a Secretaria de Assuntos Estratégicos subsidiasse diretamente ao próprio MEC e respeitasse os profissionais que ali trabalham?

Por mais que a diversidade de propostas possa parecer democrática, o fato é que estamos, sim, frente a um embate de agendas dentro do governo. Possivelmente, a SAE sabe que terá dificuldades para passar suas ideias autoritárias de SNE para a equipe do MEC que está cuidando da criação do Sistema Nacional de Educação e resolveu “ir para a galera”. Mais ainda, como o debate será no Congresso, a SAE já está em campo com seu “substitutivo”. Os reformadores empresariais farão o resto através de seus aliados no Congresso.

A proposta de emenda constitucional da SAE é, na realidade, a sua proposta de Sistema Nacional de Educação e as críticas que fizemos ao primeiro documento preliminar da SAE são válidas para o novo documento. Em realidade, ele preserva e dá forma ao mesmo tripé descrito anteriormente: responsabilização verticalizada, meritocracia e privatização. Mostra que não há nada de preliminar no documento anterior já que nada mudou e estamos avançando para outras implementações.

A disputa pelo Sistema Nacional de Educação é basilar para os reformadores empresariais. Nos Estados Unidos ela veio pela lei No Child Left Behind. No Brasil, ameaçou vir pela Lei de Responsabilidade Educacional que está no Congresso há anos, mas agora, encontrou outra ancoragem no atual grupo da SAE na forma desta proposta de emenda constitucional. Os reformadores querem mais do que uma lei de responsabilidade educacional nos marcos da legislação vigente. Esta não lhes oferece os “recursos legais” necessários para sua política verticalizada. É preciso recriar o entorno legal primeiro.

A estruturação do Sistema Nacional de Educação é importante porque por meio dele fluirá o dinheiro e, portanto as possibilidades de indução de práticas e concepções na escola brasileira. Os reformadores empresariais sabem disso por experiência de outros países. Quem controlar as condições para a distribuição dos recursos e assistência técnica pode induzir políticas e dar corpo às metas intermediárias do Plano Nacional de Educação, com sua coloração e entendimento próprios – inclua-se aí, a criação de um grande mercado educacional aberto à “formação de consórcios, convênios de cooperação e arranjos de desenvolvimento da educação – ADEs”.

Daí que a questão básica esteja formulada pelo documento da SAE com uma concepção autoritária de gestão, mascarada por três comissões tripartites que incluem exclusivamente gestores das redes de ensino (leia-se Secretários de Educação) e que procura controlar a educação nacional pela definição e  gestão dos padrões nacionais de qualidade da seguinte forma:

“Para reconciliar gestão local com padrões nacionais, precisamos de três instrumentos principais: (i) sistema nacional de avaliação e de acompanhamento; (ii) mecanismo de redistribuição de recursos e quadros para regiões mais pobres; e (iii) ações para apoiar redes escolares locais, especialmente aquelas em situação de desempenho crítico. (Grifos meus.)”

O texto fala em “reconciliar”, mas é muito mais que isso. Trata-se de “articular assistência financeira à assistência técnica para potencializar o desenvolvimento da gestão da educação”. Trata-se de controlar o estabelecimento e a adoção de padrões através de estrutura paralela ao MEC e aos educadores. Neste sentido, a SAE envia um presente de grego (cavalo de troia) ao próprio MEC, mas de olho no Congresso onde de fato serão tomadas as decisões. De fato, os reformadores resolveram radicalizar via Congresso num momento de extrema fragilidade do próprio governo, contando com a aliança liberal/conservadora naquele órgão. Como fica Janine nisso tudo, ele mesmo terá que dizer.

A gestão democrática é um princípio aprovado para todos níveis de gestão da educação no próprio PNE. A SAE reduziu a democracia à participação dos Secretários de Educação, ou seja dos representantes diretos dos governos federal, estadual e municipal. Todas as outras entidades estão fora das grandes decisões.

O viés autoritário é tanto que a proposta diz textualmente que: “a CTC possui autonomia técnica e suas deliberações não estão sujeitas a recurso hierárquico ou revisão por outros órgãos.”

O documento ainda resgata uma proposta de montagem de ADE, ou seja, Arranjos de Desenvolvimento Educacionais, feita pelos reformadores empresariais via Mozart Neves Ramos, o qual foi relator da matéria no Conselho Nacional de Educação quando andou por lá, é do Movimento Todos pela Educação e hoje também está no Instituto Airton Senna.  Discutimos isso aqui neste blog na época. As ADEs estão agora na base da proposta, ao nível regional. (Baixe o texto da ADE feita pelo CNE aqui.) Voltaremos a isso.

Para poder consolidar tudo isso, o documento propõe uma emenda constitucional em quatro capítulos. “A proposta legislativa que se apresenta, portanto, é Anteprojeto de Lei Complementar, dividido em quatro capítulos” o que envolve:

  1. Definir o Sistema Nacional de Educação – SNE.
  2. Propor os instrumentos de avaliação dos sistemas de ensino e de planejamento da educação que a proposta considera “pressupostos essenciais à cooperação”.
  3. Dispor sobre a redistribuição dos recursos destinados ao financiamento da educação. Aqui entra o Custo Aluno-Qualidade (CAQ). Porém, apenas o Custo Aluno-Qualidade Inicial, ou seja, parcial, já que o CAQ pleno somente ao final de 10 anos.
  4. Estabelecer os instrumentos de colaboração e apoio entre os entes da Federação para a gestão e execução do que a proposta chama de “serviços” públicos de educação.

A proposta visa “regulamentar o artigo 23, V, da Constituição Federal, estabelecendo o Sistema Nacional de Educação e dando cumprimento a diversos compromissos e metas do Plano Nacional de Educação.”

A estrutura do Documento distribuído é a seguinte:

  1. O problema e a orientação dos esforços
  2. Inovações
    1. Organização do SNE
    2. Avaliação e planejamento
    3. Redistribuição de recursos
    4. Instrumentos de colaboração e apoio à gestão
  3. Anexos
    1. Anexo I – Correlação da estrutura do anteprojeto de lei as inovações
    2. Anexo II – Anteprojeto de lei

Continua no próximo post.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Meritocracia, Patria Educadora, Privatização, Responsabilização/accountability e marcado . Guardar link permanente.

Uma resposta para Pátria Educadora: novo texto, mesmas ideias – III

  1. algumas dúvidas:
    1. o que mangabeira unger chama de mais ousado? que currículo de educaçaõ básica e de ensino superior defende?
    A autonomia que ensino superior adquiriu e na minha avaliação é um dos maiores problemas hoje da educação superior porque cada instituição faz o que quer, o conceito de autonomia universitária de Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes dos anos 50 e 60 não tem nada a ver com o conceito de autonomia universitária neoliberal. Essa autonomia será expandida para as escolas de educação básica, elas que definirão o currículo localmente? que pontos positivos e que pontos negativos a nessa transposição de responsabilidade curricular para a escola? não corremos o risco de aprofundarmos o caráter reprodutor da educação localmente?

    2. Diante dos debates entre Mangabeira Unger e Janine Ribeiro como ficam os artigos 205 ao 214 da Constituição Nacional? direito à educação, profissionalização docente, financiamento? o que se fixou na constituição de 1988 está sendo respeitado ou a constituição está sendo totalmente desconsiderada em sua essência lá dos anos oitenta?

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