Concordâncias da Sra. Rose

Rose Neubauer escreve na Folha de São Paulo para concordar com a reorganização das escolas da rede estadual de educação de São Paulo. Na mesma página, Sonia Kruppa escreve para discordar.

Contrariamente à sua aparição em 2013, quando criticou o mesmo Secretário da Educação por rever aspectos da “progressão continuada” que ela mesma havia implantado na rede paulista, desta vez Rose escreve para defender ações do Secretário. Qual o motivo da mudança?

A questão é que, agora, Herman está sintonizado com ações que atendem aos interesses dos reformadores empresariais da educação e que como salienta Sonia Kruppa estão alinhadas com ações do final da década de 90 feitas por este mesmo grupo, na época articulado em torno de seu principal mentor: Paulo Renato Costa Souza.

Como já examinei em outros posts, o “movimento das escolas pequenas” foi sequestrado pelo movimento destes reformadores nos Estados Unidos, em especial durante a administração de Bloomberg/Klein na Cidade de Nova York, e serve de inspiração a estas ideias.

Mas voltemos ao texto de Rose. Primeiro vamos às obviedades. Segundo a professora:

  1. Estudos e pesquisas sobre desenvolvimento e cognição de crianças e jovens mostram que eles têm padrões de aprendizagem diferenciados e requerem espaços e situações de aprendizagem diversos.
  2. Revelam, ainda, que a organização do espaço da escola e da sala de aula influencia a aprendizagem e o ensino.
  3. Isso ocorre porque crianças de 6 a 10 anos devem estudar em espaços bem sinalizados, com mobiliário adequado, que lhes propiciem segurança e orientação.
  4. Os pré-adolescentes e jovens, por sua vez, requerem equipamentos pedagógicos e espaços mais conformes ao seu desenvolvimento cognitivo e emocional: computadores, laboratórios, bibliotecas. A quadra poliesportiva aqui é fundamental para práticas coletivas, atividades musicais, teatrais e outras que estimulem o protagonismo juvenil.
  5. Esse é o modelo de escola que existe em países onde o ensino é de boa qualidade e nas escolas brasileiras bem classificadas nas avaliações nacionais, pois considera-se fundamental a existência de prédios, salas de aulas e equipes pedagógicas específicas para as diferentes faixas etárias.

Quem seria contra essa declaração de princípios? Tudo isso faz sentido. Mas toda essa obviedade não justifica termos que criar três sub-redes estaduais de educação. Há outras formas de cumprirmos estas exigências.

Mais ainda, é estranho que, com todo este conhecimento disponível, o sábio tucanato que há duas décadas e meia está no comando da educação paulista, não tenha feito muito para avançar nesta direção e que depois de tanto tempo esta questão apareça, agora, como justificativa para a alegada diferenciação de condições materiais da aprendizagem, como se o tucanato tivesse começado a governar o Estado este ano.

Estas razões apresentadas por Rose são tão óbvias que seriam incluídas em qualquer proposta educacional, não necessariamente apenas para justificar a divisão das escolas. No fundo, o que este elenco de constatações diz é que são as condições materiais das escolas e não a divisão em si o que constitui o ponto relevante para a aprendizagem.

Segundo Rose:

“O modelo pedagógico atual de várias escolas da rede estadual paulista, no qual crianças pequenas, adolescentes e até adultos convivem e ocupam as mesmas salas de aula, desconsidera suas diferenças biológicas, cognitivas e psicológicas. Isso compromete a existência de ambientes de aprendizagem adequados, dificulta a atuação da equipe pedagógica e impede a melhoria da qualidade do ensino.”

Depois de 25 anos, caiu a ficha? Nos demos conta de que o modelo pedagógico atual (sem a divisão proposta) desconsidera as diferenças biológicas, cognitivas e psicológicas. Mais surpreendente ainda, descobrimos que não dividir as escolas é que “impede a melhoria da qualidade de ensino”. E sendo assim:

“a reorganização das escolas paulistas é urgente, necessária e importante. Separar os alunos em diferentes tipos de escolas (crianças de 1ª a 5ª séries; pré-adolescentes de 6ª a 9ª séries; jovens do ensino médio) possibilitará adequar instalações físicas, mobiliários e materiais a cada nível de ensino e de faixa etária.”

Descobrimos também que devemos “racionalizar” a rede para o professor poder dar mais aulas na mesma escola.

“A medida promove a fixação do corpo docente em uma ou, no máximo, duas escolas. O funcionamento das mesmas séries nos vários turnos da escola (manhã, tarde e noite) ampliará a oferta de aulas aos professores em uma única escola, racionalizando, inclusive, a jornada de trabalho do corpo docente.”

Ora, há outras formas de se obter isso sem dividir escolas e fechar classes. Mas não são só estes os ganhos. Há outros, segundo ela:

  1. Também potencializará a implementação de um projeto pedagógico para alunos com características semelhantes e diminuirá a prática do “bullying” e de outros tipos de violência contra os mais jovens.
  2. Além disso, a medida dificulta a ação de interceptores de drogas em escolas de crianças e pré-adolescentes pela presença de familiares nas redondezas dessas escolas.

No entanto, como afirmou Janine Ribeiro, ex-ministro:

“Tendo a dizer: procure uma escola maior. Ali, seu filho terá contato com pessoas mais diferentes entre si. Vai conhecer o preguiçoso, o esforçado, o desobediente, tipos de pessoas que ele encontrará na vida. Numa escola pequena, as pessoas podem ser muito parecidas. A nota pode ser maior, porque é mais fácil dar aula para estudantes parecidos. Mas, no futuro, o garoto ou a garota não vai conseguir lidar com um mundo cada vez mais complexo.”

Ao invés de uma política educacional que procura lidar com as diferenças de idades e levar os mais velhos a cuidar dos mais novos, preferimos isolá-los. Cada diferente no seu “galho”.

E finalmente, a ilusão maior: controlar os interceptadores de drogas pela “presença de familiares nas redondezas dessas escolas”. O mais provável, no entanto, é que tenhamos uma especialização do tráfico segundo as sub-redes criadas.

Onde a adoção de divisão de escolas maiores em escolas menores foi feita apresentando todos estes maravilhosos resultados?

Para a autora:

“Esse é o modelo de escola que as famílias desejam e que professores comprometidos com a qualidade do ensino consideram mais adequado.”

Estamos diante de um “salto para o futuro”. As argumentações contrárias “são falsas”. Porém, alguém lembrou das exigências do PNE para a ampliação da educação de tempo integral? Vão faltar prédios… Se vamos ter 50%, segundo o PNE, de educação em tempo integral, pode o Estado se dar ao luxo de converter escolas em postos de saúde ou até mesmo fechá-las?

Mais ainda, que tal usar as classes ociosas para diminuir o número de alunos em sala? Isso sim é política pública consistente com as pesquisas disponíveis.

“Citando evidências da literatura acadêmica, Schanzenbach explica que “o tamanho das turmas é um determinante importante de uma variedade de resultados dos alunos que vão desde os resultados dos testes até resultados mais amplos na vida. Turmas menores são particularmente eficazes em elevar os níveis de escolaridade das crianças de baixa renda e de minorias.”

Contrariamente, ela aponta, aumentar o tamanho da turma mostra ser prejudicial às crianças.” O dinheiro economizado hoje, aumentando o tamanho das turmas resultará em custos sociais e educacionais mais substanciais no futuro”, escreve ela .

“Os formuladores de políticas devem pesar cuidadosamente a eficácia da política de tamanho de turma contra outros usos potenciais dos fundos”, Schanzenbach conclui. “Apesar do menor tamanho da turma ter um custo demonstrável, pode ser a política mais eficaz em termos de custos no geral.”

Os argumentos apresentados por Rose Neubauer não convencem. Mas é importante o posicionamento dela. Mostra a quem servem as mudanças que estão sendo preparadas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

As escolas deveriam ser vistas como um centro cultural das comunidades. O lema é que a escola é da comunidade. Esta ligação com a comunidade é que fez com que o relatório da Fundação Gates sobre o tema alertasse para o fato de que promover a reorganização de escolas só deveria ser feito com apoio da comunidade externa e da comunidade interna das escolas. Mesmo assim, a Gates preferiu aplicar seu dinheiro em outras ações que não no “downsizing” de escolas.

Mas o tucanato (que anteriormente já tinha importado de Nova York a falida política de bônus) continua achando que as políticas falidas de Bloomberg na Cidade de Nova York são boas para São Paulo. De fato, eles têm razão, mas só no sentido de que estas políticas são consideradas falidas apenas no que diz respeito à promoção da melhoria da qualidade de ensino, podendo ser consideradas, no entanto, muito eficazes quanto à sua capacidade de promover a privatização da educação. Aí está a razão da simpatia que o PSDB tem por elas.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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4 Responses to Concordâncias da Sra. Rose

  1. Mais uma vez, uma excelente texto, Professor! Parabéns!
    P.S. Sou um leitor seu desde quando iniciei no magistério, no início da década de 80. Ricos textos, belos debates em salas de aula!
    Obrigado, Professor!!!

  2. Avatar de marina marques de Arruda marina marques de Arruda disse:

    Professor Freitas, seu blog presta um grande serviço a educação deste país. Tenho acompanhado atentamente sua posição em relação as propostas mirabolantes com objetivos de melhorar o ensino nas redes públicas. Muito bem observada a situação da aprendizagem feita pelo ex-ministro Janine Ribeiro, fatores externos precisam ser computados nessas avaliações elas são opressoras e é isso que precisa ser combatidos junto com outros ministérios e políticas sociais e as escolas fatores internos liberta e elas precisam ser fortalecidas respeitando uma série de fatores já descritos em enumeras vezes. Outro fator de sabedoria diz respeito a ouvir a comunidade tanto externa como interna são elas o termômetro para saber se uma escola está correspondendo ou não. Já em 1917 um pouquinho mais Pistrak advertia em seu livro ” Fundamentos da escola do trabalho”,sobre a importância da comunidade para escola.
    “[…] a escola deve preparar os organizadores da sociedade de amanhã. […] se a população estima, ama sua escola, sua instituição infantil, é porque a instituição está a altura de sua tarefa social; caso contrário, temos prova de que o trabalho da instituição está mal organizada pedagogicamente.”(PISTRAK,1981,p.74)
    Parabéns professor.

  3. Avatar de Maria Eugênia Castanho Maria Eugênia Castanho disse:

    Luiz Carlos: conheci hoje seu blog. Parabéns! Rico, sério, esclarecedor. Um serviço inestimável para a verdadeira democracia.

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