“Escritos de guerra” a favor da resistência organizada já – Fim

A contradição entre neodesenvolvimentistas e neoliberais que durante o governo Lula e Dilma nos atormentou, todos no governo (basta lembrar que Moreira Franco o agora chefe das privatizações de Temer era Secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República; que Reynaldo Fernandes, Presidente do INEP sob Lula, o pai da Prova Brasil, revela-se agora um defensor das escolas charters; que Ricardo Paes de Barros, ajudante de Mangabeira Unger e Moreira Franco, é agora um crítico dos programas sociais – para citar alguns) esta contradição agora se resolve pelo lado dos neoliberais e na área da educação pelos reformadores empresariais que disputaram a agenda com os educadores profissionais todo o tempo.

Os liberais, dentro do governo de Lula e Dilma tentaram colocar sua agenda. Ganharam em vários aspectos, mas isso não era suficiente para a dimensão do realinhamento que eles esperavam fazer em associação com forças políticas locais. Cansados, resolveram rever a aliança e associar-se a forças neoliberais nacionais e internacionais.

É claro que o que mais incomodou as elites empresariais foi a política econômica que estagnou a produtividade do trabalhador brasileiro ao longo deste período e elevou, ao mesmo tempo, a renda média da força de trabalho, jogando o país no que os economistas chamam de “a armadilha da renda média elevada” que acabou por dificultar a realização do lucro nos patamares convencionados pelo capital, e gerou o descrédito do governo junto a estes setores. Ao mesmo tempo que os salários e os gastos sociais aumentavam, a produtividade empacava. O pato amarelo da FIESP tem este significado.

Este é um possível entendimento para o momento que estamos vivendo. Mas independentemente de sua precisão, sempre discutível, o fato é que ele aponta – e isso é mais importante – para políticas de ciclo longo e para uma mudança do cenário político, econômico e social brasileiro. E neste quadro, a educação será atingida pela privatização em todos os níveis, por um lado, e por outro, por uma onda conservadora que se expressa muito bem nos projetos de retirada da autonomia do professor como o “escola sem partido”. São lados de uma mesma moeda, pois eles exemplificam as próprias forças que neste momento se juntam, como na era FHC, para “tornar o país confiável” perante as grandes corporações internacionais: por um lado os liberais, por outro os conservadores.

Este é um cenário que, concretizado, colocará grandes dificuldades para os educadores nos próximos anos. Daí a necessidade de que, agora, nossas entidades e lideranças encontrem temas que nos unifiquem na luta. E penso que a questão da escola pública de gestão pública (estatal) pode ser um dos bons candidatos à unificação da luta.

Por ela passarão boa parte das lutas mais específicas que teremos de realizar: contra a padronização da base nacional comum, contra a padronização da formação de professores, contra a padronização de materiais didáticos e sistemas on line de ensino, contra a privatização em suas variadas formas, contra a indução destas políticas através da lei de responsabilidade educacional e da lei do sistema nacional da educação, e outras mais.

Não tenho Los abuelos de chilea menor dúvida de que os professores, estudantes, gestores e pais se unirão para barrar esta política educacional como fazem hoje no Chile e nos Estados Unidos. Mas isso não ocorrerá automaticamente. E não devemos permitir, em defesa das novas gerações, que estas fiquem relegadas a esta política educacional por 30 anos, como aconteceu em outros países.

Temos que encurtar este ciclo e podemos fazê-lo, pois, hoje, estamos apoiados pela luta que já se desenvolve nestes outros países: por mais de 100 mil estudantes nas ruas do Chile contra estas políticas, por meio milhão de pais que nos Estados Unidos retiraram seus filhos dos testes padronizados, pela academia que investiga e desmascara diariamente os efeitos nefastos destas políticas, pelos professores que rejeitam serem convertidos em meros atendentes de sala de aula, manipulando sistemas de ensino pré-fabricados.

Mas isso implica que levemos a sério a ameaça em que estamos inseridos e que não subestimemos nossos adversários. São pessoas inteligentes e competentes com concepções de educação que conduzirão a práticas equivocadas no âmbito da educação. Somente uma resistência ativa e massiva de professores, gestores, estudantes e pais, poderá barrar esta política e essa resistência precisa ser constituída de imediato. Uma vez iniciado, o trajeto da privatização é longo. Começa modesto e avança continuamente ao longo dos anos até chegar, como no Chile, a 70% da educação básica. E insistimos, não há diferença se a privatização é por organizações sociais com ou sem fins lucrativos.

Não há dúvida que ao final seremos muitos a lutar contra tais políticas. Não há dúvida que os problemas centrais da educação brasileira serão agravados e não resolvidos e outros serão acrescidos, entre eles:  o estreitamento curricular (ensinar para o teste); competição entre profissionais e não a colaboração; pressão sobre o desempenho aluno e preparação para testes com adoecimento progressivo e grande recurso à medicalização; fraudes na contagem das proficiências e na gestão; aumento da segregação socioeconômica nos territórios; aumento da segregação dentro da escola; precarização da formação do professor; destruição moral do professor; destruição da escola pública, o que constitui uma ameaça à própria democracia contemporânea.

Sobre todos estes aspectos, há farta literatura proveniente dos países que se envolveram com tais políticas. Não se trata de mero pessimismo, há evidências. Se o que a literatura descreve também ocorrerá ou não no Brasil e em que ritmo, isso não é uma questão teórica e sim prática. Em minha experiência de participação em inúmeras atividades com os professores das redes de ensino do país, o que se percebe é que muitas destas políticas já estão se materializando nos dias de hoje, bem na contramão do que alguns pensam. Ainda me lembro daqueles que consideravam, nos idos de 1989, que falar em neoliberalismo no Brasil era fantasmagoria de marxistas. Os governos de Color e de FHC, logo depois, modificariam nossa forma de pensar.

No entanto, quanto destas políticas conseguiremos evitar, dependerá de quanta resistência consiga ser organizada para contrariar tais ideias desde já. O cenário aponta para elas e isso é suficiente para agirmos de imediato, ao invés de louvarmos uma hipotética resistência teórica que um dia cairá dos céus…

As contradições certamente estarão permeando a prática das escolas, mas elas não se converterão em luta pela mera constatação de que haverá resistência. Se esta resistência não for convertida em prática concreta, organizada, poderemos entrar em um longo ciclo destas políticas cujos efeitos se farão sentir desde já, mas cuja reação só aparecerá muito tardiamente, depois que tenha atingido várias gerações de nossas crianças e jovens. E um elemento central na mobilização da resistência é saber contra o que e contra quem devemos lutar e por que.

Há um longo caminho para mostrar aos pais, principalmente, que média mais alta na escola não é sinônimo de boa educação. E estamos atrasados.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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