Educação paulistana em tempos de Doria

Deveria ter sido uma ingênua sessão de “treinamento” dos novos Supervisores contratados a partir de 02/01/17, na rede de ensino da Prefeitura Municipal de São Paulo sob gestão do marqueteiro Doria.

Para quem acredita que o problema da educação pública se resolve com imitação da gestão privada, era previsível que seria feito algum contrato com alguma fundação para que este novo contingente de profissionais fosse “adequadamente treinado” – mesmo tendo sido aprovado em concurso. Toda gestão adepta da reforma empresarial vai por este caminho: chamar algum empresário para dar um cursinho sobre como se pode tornar eficiente o serviço púbico.

Seguindo a tradição, chamou-se um Instituto e uma Fundação para “treinarem” o pessoal em um cursinho de 100 horas que teve início dia 20-03-17 e deveria terminar a parte teórica amanhã 22-03-17 – tendo continuidade à distância. Mas parece que o curso tem dificuldades para prosseguir.

Para surpresa dos servidores presentes, a formação idealizada pautava uma gestão empresarial com o foco nos resultados e ignorava os conhecimentos acumulados pela Rede. Com uma proposta cronometrada de tempo, buscou-se propor a transformação da figura do Supervisor Escolar em uma espécie de “fiscal” da relação professor-aluno e do processo de aprendizagem.

Logo, o público presente questionou o formato do curso, que priorizava o preenchimento de tabelas e não possibilitava reflexões. E o resultado só poderia ser o descontentamento geral. Fato que fez com que os organizadores viessem presencialmente no dia de hoje explicar as concepções que pautam suas filosofias e tentar convencer o pessoal.

Defenderam a Educação por Resultados como solução para as dificuldades de aprendizagem e não se dispuseram a estabelecer uma proposta dialogada com os conhecimentos da Rede e com as necessidades apresentadas pelos Supervisores ingressantes no cargo, porém com experiência em outros cargos de gestão da própria Rede. Alegaram que a formação era oferecida da mesma forma para todo o país, portanto, era essa a proposta que deveriam aceitar: gestão empresarial e meritocrática, goela a baixo de um grupo recém aprovado em concurso para gestor da Rede.

Diante do debate e da recusa do grupo contratado para dar o curso em adequar a proposta de formação, incluindo os saberes e necessidades da Rede, coube ao grupo de Supervisores em assembleia, mediada pela SME, a decisão de suspender a formação e produzir uma pauta formativa, cuja temática estivesse de acordo com as aspirações dos participantes a as necessidades da Rede.

A proposta da Fundação, aparentemente, foi bravamente recusada pelos novos gestores. Se as proposições da assembleia de supervisores serão aceitas ou não, é algo incerto. Pelo jeito estourado de administrar de Doria, pode ser que não. Mas, qualquer que seja o desfecho, valeu a resistência.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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18 respostas para Educação paulistana em tempos de Doria

  1. Arnaldo Lopes Siqueira disse:

    Professor, semana que vem é a vez dos diretores. Estarei lá. Já sabíamos do que está por vir. Somos da carreira e, se querem contribuir para uma boa educação, o que acho difícil, devem ouvir a rede. Se não, não. Simples.

    • CLARICE BOTELHO CUNHA DE CARVALHO disse:

      É isso aí Arnaldo. Essa gestão precisa entender que somos educadores, e que não desistimos do nosso ofício de educar. Educar para transformar.

      • PC maluvido disse:

        Nao leciono faz algum tempo mas as vezes tenho vontade de voltar e vendo esta reação por parte dos educadores acredito que temos pessoas comprometidas com a difícil tarefa de educar..Parabéns por mais esta lição..

  2. Fernanda Rodrigues disse:

    Excelente análise como sempre!! Freitas, só uma ressalva: este não foi o primeiro concurso de acesso a cargo de Gestão na Rede, porém foi o primeiro que respeitou a Lei de Cotas para negros e afrodescendentes.
    Grande abraço!!!

  3. Antonio Francisco de Paula Filho disse:

    Se as avaliações a as ações a partir destas, propostas pelo partido e grupo que estao por trás do atual prefeito trouxessem qualidade para a educação pública, a rede estadual de educação do estado de São Paulo, seria o exemplo a ser seguido. Lamentavelmente, a situação ali é no mínimo deplorável, até porque vinte anos deste modelo, não há trabalho que não sucumba.

  4. Professor apenas um reparo Quando você cita “primeiro concurso de gestor da Rede” tem uma incorreção

    O primeiro concurso da rede para Supervisor foi nos anos 90 e para diretor ainda nos anos 70

    Um abraço

  5. Angelica Della Monica disse:

    A meritoctacia foi inventada nos EUA. A mulher que inventou ficou arrependida e os gestores brasileiros querem reproduzi-la aqui. Que falta de criatividade. Tudo se copia?

  6. Marco Ferreira disse:

    Qual é o nome do Instituto e da Fundação?

  7. Jefferson Mainardes disse:

    Excelente texto, Prof. Luiz Carlos.

  8. Marli Nunes da Silva disse:

    Excelente artigo!!!
    Bravos educadores!!!

  9. cinthiarodr disse:

    Qual a fundação?

  10. Maria José Teixeira Cardoso disse:

    Supervisora aposentada, egressa do primeiro concurso da rede municipal de SP, tendo TB sido “agraciada” com formação inicial em moldes semelhantes ministrada pela FIA/USP pelos idos de 95, 96, quando houve igual reação de grande parte dos supervisores concursados, pelas mesmas razões aventadas, folgo em saber e parabenizo a resistência oferecida pois reputo que é um louvável indício de que somos seres pensantes, temos história e produção de conhecimentos na rede. Se queremos formar seres autônomos e críticos, seres socialmente ativos e responsáveis, temos que ser exemplo.

  11. Ione Ferreira Dias disse:

    Muito bem. A formção é importante e precisa acontecer para qualificar o trabalho nas escolas e pelo que parece, o efeito seria ao contrario.

  12. Reinildo disse:

    O engajamento de pais dos alunos pode garantir o avanço das questões de educação. Eles não podem ficar alheios à essa realidade.

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