Os “novos evangelizadores”

Não bastassem os “novos reformadores”, temos agora os “novos evangelizadores”. Os rumos para a educação brasileira vão ficando mais claros, após a posse dos novos ocupantes do Ministério da Educação sob Bolsonaro, com a constituição de uma verdadeira “geringonça” conservadora no órgão.

Veja aqui também.

A geringonça bolsonarista reuniu conservadores, que poderíamos chamar de “novos evangelizadores”, associados a um punhado de engenheiros e está voltada para “desmanchar” o ministério e não, como seria de se esperar, administrar a educação.

No caso da educação, tratou-se de garantir a predominância conservadora – afastando-se pessoas que poderiam ter alguma experiência direta na área educacional que, segundo o novo governo, está contaminada pelo marxismo cultural. Exemplo desse isolamento da área é a indicação de Tania Leme de Almeida para a Secretaria de Educação Básica do Ministério:

É docente do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza há 9 anos com dedicação exclusiva. Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002), Mestrado em Engenharia Civil- Hidráulica e Saneamento pela Universidade de São Paulo (2005) e Doutorado em Engenharia Civil- Hidráulica e Saneamento pela Universidade de São Paulo (2009). Em sua carreira acadêmica e de pesquisa tem se dedicado ao estudo em pesquisas relacionadas à Gestão Ambiental de Resíduos e Saneamento Ambiental: aproveitamento de Resíduos na Agricultura e Hidráulica de Contaminantes no solo. Atua nos seguintes temas: Gestão e gerenciamento de Resíduos Sólidos, Solos contaminados, Percolação, Metais pesados, Aplicação de efluentes no solo e Aterro sanitário.

Com isso, foram excluídos também aqueles que, ligados à reforma empresarial da educação, aspiravam ter lugar no novo governo, sob os auspícios de organizações não governamentais como o Todos pela Educação e outros Institutos e Fundações. Estas organizações tiveram participação relevante na configuração da Base Nacional Comum Curricular e nas próprias políticas do ministério da educação do governo Temer. Há um certo sentimento de orfandade entre estas que preferiam ver Mozart Ramos no cargo de ministro.

Imaginei que, tendo perdido a chance de negociar com os “novos reformadores” (ao excluir Mozart Ramos), os conservadores teriam inteligência suficiente para recompor uma aliança com os reformadores dentro do Ministério da Educação, pelo menos ao nível de seu segundo escalão. Superestimei. Conservadores afoitos, os novos talibãs querem o controle do ministério. Isso significa que estão se isolando tanto dos educadores profissionais como dos próprios reformadores que se aproximaram do governo Bolsonaro. Se mexerem na BNCC, haverá guerra com os reformadores.

Embora haja esta aliança liberal/conservadora no governo Bolsonaro, os conservadores têm uma mágoa histórica com os liberais e não confiam neles para cuidar da educação, pois acham que eles são muito tolerantes. De fato, os conservadores acham que os liberais têm parte da culpa pelo mundo “estar do jeito que está”. A aliança liberal/conservadora é uma arranjo pragmático.

Uma possível explicação para esta situação calamitosa no MEC pode ser buscada na tese neoliberal que orienta o governo Bolsonaro em geral. Aparentemente, a tese de que o Estado deve se retirar da administração da educação está orientando a constituição do ministério (e do novo governo como um todo), pois os neoliberais defendem que a educação deve ser privatizada, restando ao Estado financiar e avaliar. O que sobraria, então, ao Ministério da Educação?

Provavelmente, à nova equipe do ministério, caberia cuidar da “evangelização” ideológica e dedicar-se a umas poucas atividades, com vistas a um cenário em que o governo sai do processo de gerenciamento da educação em todos os níveis, ficando como indutor/regulador da privatização (vouchers, terceirização, homeschooling). Daí a frase do novo ministro: a saída da educação está na iniciativa privada, ou ainda sua afirmação de que é preciso mais Brasil e menos Brasília. É se é este o objetivo, não se necessita de uma equipe experiente em gestão educacional, pois esta é transferida para a iniciativa privada e/ou para a ponta, reforçando a chamada “autoridade local”.

Como disse antes, imaginava que haveria uma associação entre os novos reformadores (liberais), amantes da Revolução 4.0 e os novos evangelizadores (os talibãs do anti-marxismo cultural). Mas a aliança até agora não se materializa dentro do Ministério – ainda que exista no governo como um todo. E talvez pare por aí.

Há 200 anos que o conservadorismo, como filosofia social, está capenga, tendo sido suplantada pelo liberalismo (primeiro o clássico e depois o neo). Segundo Wallerstein em seu livro Após o Liberalismo (1995), o próprio liberalismo já encerrou seu segundo ciclo áureo em 1989.

Estas duas filosofias cambaleantes, resolveram se juntar para ver se conseguem prolongar sua agonia por algum tempo em algumas partes do mundo – valendo-se do autoritarismo social. E é isso que se oferece ao povo brasileiro. Diz Wallerstein que tal situação é típica de períodos de caos onde o novo ainda não se constituiu e o velho já acabou.

Neste quadro, em que o Ministério da Educação está dedicado a perpetuar o atraso, o Ministério da Economia terá liberdade total para liquidar o sistema público de educação, atendendo ao apelo neoliberal do vice-presidente empossado, para o qual a função do governo Bolsonaro é desmanchar o Estado.

Assim, em meio a uma crise mundial, o Brasil mergulha no atraso cultural combinado com desmanche do Estado. Acredita que olhando para trás, para o conservadorismo e o neoliberalismo, encontrará o futuro. Se o governo Temer foi eficaz em algo, foi em estabelecer de fato sua “ponte para o passado” (que ele acreditava ser para o futuro): ela conduziu a Bolsonaro.

Mas os novos reformadores não precisam se apavorar. O fato de não ter ocorrido um acordo entre reformadores e evangelizadores para os cargos do Ministério, não impede que ocorra uma ação articulada entre ministérios: educação e economia. A economia “privatiza tudo” e a educação difunde sua tese conservadora. Os novos evangelizadores do Ministério da Educação se dedicarão a demarcar a natureza da formação da juventude e os novos reformadores (do Ministério da Economia), privatizam a educação e abrem os cofres para toda sorte de iniciativa privada (empresas, ONGs, homeschooling, terceirização, consultorias, etc…). Entregue à iniciativa privada, com a BNCC já feita e com o ensino médio reformado, as exigências da Revolução 4.0 estariam garantidas.

Vai dar certo? Talvez dure mais se reformadores-liberais e evangelizadores-conservadores se entenderem. O plano do grupo que dá suporte a Bolsonaro é de longa duração. Este seria apenas um primeiro passo. No entanto, como diz Wallerstein, a conversa conservadora, com suas “carolices”, não cola. E o neoliberalismo já mostrou que só fará agravar as contradições do sistema, já conhecidas.

O Brasil vai perder tempo com os novos reformadores e com os novos evangelizadores, mas teremos que passar por isso e superá-los pela prática – no interior da crise da aliança do liberalismo/conservadorismo em curso (não só no Brasil). E de quebra, vamos ter que nos dedicar a pensar o novo.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Privatização, Velez no Ministério e marcado , , , , , , . Guardar link permanente.

4 respostas para Os “novos evangelizadores”

  1. 21919436 disse:

    Olá, Luiz Carlos, me parece que há uma frase-chave no seu texto para simbolizar o que ouvimos antes da posse, o que estamos presenciando agora e o que ainda virá: “A geringonça bolsonarista reuniu conservadores, que poderíamos chamar de “novos evangelizadores”, associados a um punhado de engenheiros, e está voltada para “desmanchar” o ministério e não, como seria de se esperar, administrar a educação”. Trata-se de um grupo ocupado em desmanchar o Brasil, sem um projeto para administrá-lo e organizá-lo.

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