Pode ser o estudo do ano – diz Diane Ravitch. Para ela: “Este é o post mais importante que você lerá este mês ou talvez até este ano. Ele refuta a base da política educacional americana.” E como a política educacional brasileira imita a americana, é igualmente relevante para nós.
Para Ravitch, o estudo de Komatsu e Rappleye (ver mais abaixo) demonstra “as falhas nas teorias de Hanushek”, que incentivaram uma corrida em direção a políticas que centraram seus esforços no aumento das médias das escolas e a uma ênfase nas avaliações externas e na accountability – bem como nos exames internacionais.
Existem vários mantras na reforma empresarial da educação. Um deles é que um aumento da nota nos testes padronizados significa melhor educação. Ligado a isto, desenvolveu-se outro mantra: a melhora nos indicadores do PISA – exame aplicado em jovens de 15 anos de um pais pela OCDE – conduziria a uma melhora na economia dos países e a um aumento do PIB.
Foi por conta destes mantras que uma queda dos países na média do PISA foi acusada de atrasar o desenvolvimento econômico e que, pelo oposto, se fortaleceu a crença de que uma elevação na média do PISA representaria milhões de dólares a mais para a economia dos países.
Estas ideias são difíceis de serem contestadas porque estão no campo da fé na ideologia de mercado. Usam métodos econométricos que estimam resultados futuros, em base a estes axiomas religiosos, e chegam a conclusões milagrosas que, depois, não se sustentam. Mas, daí, os danos já estão feitos.
Um importante estudo realizado por Hikaru Komatsu (Professor Associado da Universidade Nacional de Taiwan) e Jeremy Rappleye (Professor Associado da Universidade de Kyoto, Escola de Pós-Graduação em Educação) para a Rede de Políticas Internacionais e Cooperação em Educação e Treinamento, acaba de ser divulgado e atinge fortemente estas crenças.
O foco da crítica dos autores é o trabalho do economista Eric Hanushek e demonstra como as teorias deste sobre o desenvolvimento de capital humano e sua relação com o crescimento econômico, adotadas também pela Comunidade Europeia, não cumprem as milagrosas promessas encontradas em suas pesquisas econométricas.
No artigo, os autores reiteram o que já indicavam em seus estudos anteriores:
“Nosso argumento no artigo principal de 2017 foi simples. Hanushek e Woessmann usaram uma relação entre o desempenho dos alunos em testes internacionais e o crescimento econômico para estimar o valor econômico que uma melhoria de 25 pontos na pontuação do PISA acarretaria.
No entanto, Hanushek e Woessmann compararam, surpreendentemente, o desempenho dos alunos em um determinado período e o crescimento econômico no mesmo período. Mas, como é natural, levam-se várias décadas para uma coorte de estudantes ocupar grande parte da força de trabalho e depois contribuir para o crescimento econômico.
Assim, comparamos, logicamente, o desempenho dos alunos em um determinado período com o crescimento econômico em um período subsequente. Surpreendentemente, ao fazer isso, descobrimos praticamente nenhuma relação entre eles, lançando fortes dúvidas sobre as alegações causais supostamente fortes (ver Komatsu & Rappleye, 2017).
Embora seja desanimador que não tenha havido resposta ao nosso trabalho, é muito mais decepcionante descobrir que agora a Comunidade Européia se voltou para Hanushek e Woessmann, pagando-lhes pesadas taxas de consultoria para redigir recomendações de políticas para a Europa. Nós nos perguntamos em voz alta: Por que a Diretoria da CE para Educação, Juventude, Esporte e Cultura precisa recorrer aos grupos de reflexão americanos para gerar novas idéias políticas?
Desejamos confirmar novamente – empiricamente – que os números de Hanushek e Woessmann são realmente falhos.”
Leia aqui.
Não é só a Comunidade Europeia que caiu no conto de Hanushek – de quem já falamos neste blog outras vezes (aqui e aqui) – mas também aqui no Brasil. Os governos repetem constantemente – antes e agora – que o PISA mostra a realidade da educação brasileira e que ele indica que a educação do país está indo mal, podendo prejudicar a economia.
Na verdade, o PISA tem servido para justificar, em base à fé no mercado, o controle da educação pelos empresários – ideia para a qual as Fundações empresariais e as filantropias educacionais prestam um laborioso serviço. Retirando o controle do Estado (ou seja, do interesse público) sobre a educação, constroem a hegemonia de sua política educacional e colocam as instituições educacionais a serviço do empresariado, com promessas de um futuro próspero que aos poucos e a duras penas vamos sabendo que não conferem com a realidade.
A promessa das teorias de Hanushek era:
“… o Relatório da CE 2019 alega que um esforço de reforma agressivo e focado de 15 a 20 anos para aumentar a pontuação em 25 pontos [no PISA] “acrescentaria 71 trilhões de euros ao PIB da UE sobre o status quo” e que “equivale a um ganho agregado da UE de quase três vezes os níveis atuais do PIB e um PIB médio sete por cento maior no restante do século ”. Com base nos números de Hanushek e Woessmann, Andreas Schleicher atraiu os líderes europeus exatamente com a mesma narrativa em 2010 (…) Schleicher afirmou que uma reforma com melhoria do PISA adicionaria 30% do PIB atual em 2100, o que tornaria o valor econômico total dessa reforma equivalente a 340% do PIB atual.”
Os autores do novo estudo, levando em conta dados do PIAAC – Programme for the International Assessment of Adult Competencies da OCDE -, mostraram, no entanto, que esta relação não existe:
“De fato, os dados do PIAAC têm uma vantagem distinta sobre os do PISA, porque medem habilidades (habilidades de lidar com números, alfabetização e resolução de problemas) em toda a força de trabalho (de 15 a 65 anos). Isso significa que as habilidades da força de trabalho podem ser comparadas com o crescimento econômico sem a necessidade de levar em conta o atraso de tempo.”
E concluem:
“… praticamente não existe relação entre o PIAAC e o crescimento econômico, seguramente em nada se aproximando remotamente do crescimento do PIB projetado por Hanushek e Woessmann no Relatório da CE de 2019. As pontuações do PIAAC explicaram – na melhor das hipóteses – apenas 4% ou menos das variações entre países no crescimento do PIB per capita.”
Chegar novamente a estas conclusões não é de fato uma surpresa, uma vez que estudos anteriores (veja aqui) já alertavam para isso.
Muito boa análise!
Ótimo artigo. Tenho interesse pelo tema, pois pesquiso sobre avaliações externas no Brasil. Atualmente estou quase terminando minha tese sobre Enade e dos resultados parciais coletados tenho motivos para concordar com os pesquisadores. Parabéns para a ciência e aguardamos que ocorram mudanças para a educação também.
Excelente. Sobretudo para enfrentarmos os falaciosos argumentos que utilizam a posição
do Brasil no Ranking do PISA para atacar a educação pública. Esses argumentos a que me refiro são comuns em redes sociais e produzem efeitos danosos. Obrigado por esse importante espaço, professor Freitas! 🙂
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