Cid caça milagres

O Ministro Cid Gomes está à caça de milagres educacionais pelo Brasil afora. E como esta dádiva só é dada a reformadores empresariais, é bem provável que oriente a política do ministério para a reprodução das ideias destes milagreiros.

O critério da cúria ministerial para se chegar à conclusão sobre o que é ou não um milagre educacional é ter melhora destacada no ranqueamento do IDEB. Como Pernambuco saltou 16 pontos no ranking do IDEB (e não na nota) enquanto outros estados caíram, indo o Estado para a 4ª. posição no ensino médio no Brasil, isso é considerado pela cúria educacional um milagre e digno de ser visitado.

Ou seja, se entendo bem a análise, Pernambuco aparece em relevo porque outros caíram ou estagnaram. Belo critério de milagre…

De fato Cid está fazendo jogo de cena, pois conhece a experiência de Pernambuco já que a importou para Fortaleza e Sobral quando governador do Ceará. O namoro é antigo.

Sobre a experiência de Pernambuco já comentamos várias vezes neste blog. A evolução do IDEB em Pernambuco nos últimos anos foi 2,7 – 3,0 – 3,1 – 3,6 em 2013. As experiências com a privatização do ensino médio em Pernambuco (com forte apoio dos empresários) começaram mais ou menos neste mesmo período. A evolução não tem nada de surpreendente. O que ocorre é que Pernambuco tinha um Ideb baixo demais. Apenas igualou-se com os outros que estão neste mesmo patamar sem terem aplicado nenhum milagre.

A comparação numérica feita por Cid não é suficiente (quantos pontos se saltou no ranking do Ideb), já que oculta a realidade das notas do Ideb daquele Estado e a cúria ministerial enganou-se ao promulgar o milagre pernambucano. Note que o milagre já havia sido antes copiado pelo Estado de São Paulo na gestão Alckmin e por aqui, não surte o mesmo efeito. A medida, aqui em São Paulo, nem sequer ajudou a melhorar o Ideb do Estado que caiu de 3,9 em 2011 para 3,7 em 2013.

Mas o empresariado vai adorar replicar a experiência de Pernambuco que começa com uma cópia do que foi feito em Nova York com a implantação das Escolas Charters. (Veja aqui também.)

A visita a Pernambuco foi para conhecer:

… experiências que levaram o ensino médio de Pernambuco a ter registrado crescimento de 16% — o maior do País — na avaliação do índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb) de 2013.

O objetivo do MEC é expandir experiências bem-sucedidas a todo o Brasil na busca da melhoria da qualidade nos últimos anos da educação básica. Entre 2011 e 2013, o estado subiu 17 posições no ranking desta etapa do ensino.

“Entre todos os grandes desafios da educação no Brasil, melhorar a qualidade do ensino médio é um dos maiores” disse o ministro. “No Brasil, nos últimos dois anos, o estado que teve a melhor evolução percentualmente foi Pernambuco.”

Cid Gomes pediu ao governador Paulo Câmara e ao secretário estadual da educação, Fred Amâncio, uma exposição da experiência do estado. “Para que possamos multiplicá-la”, afirmou.

Segundo Amâncio, as estratégias de melhoria da educação no ensino médio envolvem investimentos em infraestrutura, ensino integral e técnico, formação continuada e programas de incentivo aos professores e alunos.

“Além de ter uma das melhores notas no Ideb, Pernambuco apresenta hoje a menor taxa de abandono escolar do ensino médio do Brasil”, ressaltou Amâncio.

Leia mais aqui.

É claro que implantar educação de tempo integral, dotar as escolas de professores e com boa infraestrutura é uma iniciativa louvável em educação (digamos, uma obrigação). Apesar disso, a objeção à experiência de Pernambuco é que ela é feita com recursos da iniciativa privada que desobrigam o Estado e sob o comando de uma concepção de educação baseada na lógica empresarial. Segundo o ICR – Instituto de Co-responsabilidade Educacional, uma Organização Social que é responsável pela condução da experiência:

“O padrão de gerenciamento das escolas baseia-se na experiência empresarial, modelada para atender as necessidades da organização escolar. A aplicação dessa experiência se traduz na tecnologia chamada Tecnologia Empresarial Socioeducacional – TESE. Ela é definida como a arte de coordenar e integrar tecnologias específicas e educar pessoas por meio de procedimentos simples e que facilmente podem ser implantados na rotina escolar.”

A experiência de Pernambuco tem posto em relevo o avanço de 16 posições do Estado no ranking do Ideb entre 2011 e 2013, mas não contrasta de onde a nota partiu e onde chegou (2,7 a 3,6). O Ideb de São Paulo, por exemplo, é 3,7. Não há nenhum milagre nisso a não ser o interesse de louvar experiências financiadas pela iniciativa privada que permitem a introdução da lógica empresarial no interior da educação, cria mercado educacional e controle sobre a escola.

Não vou entrar aqui em outras questões, mas seria interessante que se investigasse como andam as matrículas do Estado de Pernambuco em Educação de Jovens e Adultos, ou seja, no depósito de jovens que vão “voluntariamente” deixando a escola sem serem contabilizados como evasão. Se estou certo, Pernambuco é o segundo Estado do nordeste (só perde da Bahia) que mais tem jovens em EJA, cerca de 214 mil, sendo 44 mil em EJA na rede estadual do ensino médio, onde tem cerca de 357 mil matrículas regulares em 2013.

O destino desta linha de ação do ministério será, com o tempo, passar de “caça milagres” a “caça fantasmas”. Mais tempo perdido para a educação brasileira, não sem antes abrir caminhos para a privatização da educação básica via Organizações Sociais.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Cid no Ministério, Ideb, Links para pesquisas, Privatização, Segregação/exclusão e marcado . Guardar link permanente.

6 respostas para Cid caça milagres

  1. Valéria Benittes disse:

    É muito preocupante a expansão da política educacional de Pernambuco para todo o Brasil. Sou Pernambucana e apresento em minha dissertação de mestrado, ” A Política de Ensino Médio no Estado de Pernambuco: um protótipo de gestão da educação em tempo integral”(2014), como os reformadores empresariais apoiados pelo governo estadual tentam deixar intocadas as determinações do mercado como regulador do direito fundamental à educação em nosso estado. Na prática, a política educacional pernambucana, apontada como um sucesso, apenas acelera a privatização da educação pública ocultando formas particulares da diferenciação socioeducativa.

  2. Maria Gorette Gomes disse:

    So implantar Ensino Médio Integral sem ter uma infra-estrutura adequada, sem destinar recursos financeiros de nada adianta, e sim tende a piorar. Com isso faz com quer a escola perca os seus educando para outras escolas de tempo normal. Na escola que leciono nem recursos para a alimentação vem suficiente.

  3. Ola Valéria, obrigado pela disponibilização do seu trabalho. Há um link eletrônico para ele?

    • Valéria Benittes disse:

      A dissertação, orientada pelo professor Jamerson Antonio de Almeida da Silva, será disponibilizada nos próximos dias no banco de teses da UFPE. Quando for publicada deixarei o link aqui. Agradeço a atenção.

  4. Ítalo Agra disse:

    Parabéns pelo Post Prof. Freitas, utilizei publicações suas como perspectiva de análise crítica da reforma educacional em Pernambuco. No mestrado fiz uma pesquisa documental para demonstrar as bases da reforma iniciada em Pernambuco, que como eu pressupus, é mais do mesmo. Inclusive os sujeitos envolvidos na formulação e implementação tem relação direta com a experiência de Minas, bem como, a propalada reforma do ensino médio começa de fato no Governo Jarbas e já começa a “fazer água”. Como professor e analista educacional da rede, estou testemunhando a proliferação das práticas de burla e discriminação que o professor Freitas expõe fartamente neste blog. Há um esforço muito grande para fabricar o sucesso das escolas integrais, há omissão de resultados negativos, há manipulação nas matrículas, discriminação dos alunos com baixo rendimento, e fechamento de turmas e escolas que atendem os alunos “de baixo rendimento” através da municipalização. Quando fiz minha pesquisa, tive muita dificuldade de obter informações pois o processo estava no início, e as consequências não eram evidentes. Mas agora, posso dizer que a reforma de Pernambuco é uma falácia, e repete o mesmo modelo de produção de ilhas de excelência. Há também uma blindagem política da experiência de Pernambuco, pois, os exemplos de sucesso são alardeados, mas, as falhas estruturais do modelo implementado não aparecem. O bônus foi desmoralizado tanto pelos resultados tímidos, quanto pelos erros de cálculo e omissão de informações por parte do governo. Mas, infelizmente, o fato de Cid Gomes ter visitado Pernambuco prenuncia um futuro obscuro, pois, no período que o país finalmente tem adquirido capacidade de investimento em educação, tende a seguir um modelo fracassado até na sua Matriz, os EUA.
    O Programa de Modernização da Gestão Pública: uma análise da política de responsabilização educacional em Pernambuco no governo Campos (2007-2011) Ítalo Agra de Oliveira Silva – UFPB

  5. Ítalo Agra disse:

    Prof. Freitas, a sua hipótese para a evasão da EJA está corretíssima. O governo começou no primeiro mandato Campos com a correção de fluxo através do programa Travessia, da Fundação Roberto Marinho. Paralelo ao projeto, que tinha como principal chamariz o término do ensino médio em metade do tempo, 1 ano e meio. No segundo governo, ele também reduziu o EJA MÉDIO, ou seja, a EJA regular, para metade do tempo e diminuiu bastante as turmas de travessia. Com isso, os alunos com “perfil problemático” para os resultados, os fora de faixa, os alunos trabalhadores, foram sendo canalizados para o projeto e depois para o EJA da própria rede que se tornou uma máquina de emitir certificação de conclusão. Para se ter uma ideia, foi estabelecido que o aluno que já tivesse cursado o ensino médio regular (1 ano) podia se matricular direto no 3º ano da EJA. Quer dizer.. e a questão do currículo? e o que o aluno deveria aprender do programa do 2º ano e que não estudou no primeiro regular, para onde foi? não importa. O entendimento tácito é de que o aluno nesse perfil só quer o papel do certificado e o governo quer as estatísticas, para comemorar o aumento da escolaridade da população e coisas do tipo.
    Sobre a evasão, tem um dado muito interessante. No sistema informatizado que foi implementado na rede (o SIEPE), quando um aluno é transferido, não é contado como evasão. Então, o aluno evadido, foi praticamente “extinto” da rede, embora, seja corrente que turmas da EJA tenham um nível de evasão absurdo. Dei aula em turmas que começaram com quase 50 e terminaram o ano com menos de 20. Digo que se o governo federal exigisse pelo censo que fosse informado o destino do aluno transferido e a confirmação da escola que recebeu o aluno, Pernambuco desceria ladeira abaixo no IDEB. E tem mais, se um aluno tiver média 0,0, 1,0, 2,0, 0,0, por exemplo… e conseguir 6,0 na prova de recuperação, ELE SERÁ APROVADO !!!!!, e quando uma média bimestral fica com décimos, por exemplo, 5,6, obrigatoriamente tem que se arredondar para 6,0. Dessa forma, um aluno para não passar de ano, ele tem que ser muito persistente no erro, garantindo assim, os dividendos do fluxo almejados pelo governo. Mas o santo tem pés de barro, se analisarmos a série de resultados de proficiência da rede, veremos um crescimento inercial, ainda que considerando as proliferação das práticas de treino, simulados, e estreitamento curricular, visando os testes anuais. Resumindo professor, como pesquisador da área, professor e analista em gestão educacional, posso afirmar que “o milagre de Pernambuco”, é bala de festim, infelizmente, levará mais algum tempo para afundar nos próprios erros, já que a contestação é mínima. E o prejuízo de fato fica para a população.

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