IDEB: como uma ideia falida influenciou o Brasil

O criador do IDEB, Reynaldo Fernandes, então Presidente do INEP, deu a seguinte entrevista em 2011 explicando a criação do IDEB. Nela se pode ver como uma ideia reconhecidamente falida nos Estados Unidos, orientou a política pública brasileira. E note que naquela época já não dava resultados por lá. Foi a partir desta influência americana que a avaliação de larga escala nacional deixou de ser amostral para ser censitária, na tentativa de “responsabilizar” cada escola.

Dizia ele:

“Entrevistadora: A ideia de se definir uma referência única, nacional e objetiva para todas as escolas do país [o IDEB] foi inspirada em alguma experiência internacional?

Reynaldo: É uma tendência internacional. A partir do final dos anos 80, surge a ideia de avaliações mais centralizadas na Europa e nos Estados Unidos. Os Estados Unidos, um país muito descentralizado, têm, hoje, uma lei federal que obriga cada Estado a avaliar os alunos e a divulgar os resultados. Além disso, as pesquisas mostram que nas localidades onde é realizada avaliação por escola as notas aumentam mais rapidamente. Antes do No Child Left Behind [lei aprovada em 2002, no governo Bush, que visa à melhoria da qualidade da educação por meio de um sistema de prestação de contas baseado em resultados], a maioria dos Estados já tinha sistema de avaliação. Nos que primeiro criaram um sistema, a evolução do desempenho dos alunos foi mais acentuada. Esses sistemas fazem com que as escolas e os dirigentes dos sistemas (secretários, prefeitos e governadores) se sintam responsáveis pelo desempenho. É a ideia de responsabilização, de accountability.

Usamos a experiência internacional, mas fizemos um índice para a realidade brasileira. Aqui há o problema da repetência, que quase inexiste nos países desenvolvidos. Outra coisa: em geral, quando se põem metas, cria-se uma meta igual para todos. Não fizemos isso, calculamos um “esforço”, metas individuais, a fim de criar condições para que a meta geral seja atingida. Isso é inovador.”

Há um conjunto de estudos disponíveis demonstrando a falência desta política pública nos Estados Unidos a qual só abriu as portas para o sucesso da privatização da educação pública. Na página sobre Bibliografia, neste blog, você encontrará variadas publicações que atestam isso. Vale a pena ler também os textos de Emery, listados na Bibliografia, que mostram as motivações dos empresários para impulsionar nos Estados Unidos estas políticas. No Brasil eles fazem o mesmo através do Movimento Todos pela Educação e outros.

O mesmo estreitamento curricular que se produziu por lá, com ênfase no conteúdo que cai nas provas de leitura e matemática, ocorreu por aqui e a mesma tolice de achar que elevação de médias é sinônimo de boa educação, se desenvolveu por aqui também. Sem falar das fraudes.

Curiosamente para este tipo de equívoco dos gestores, não há lei de responsabilidade. Os gestores podem implementar políticas fracassadas e nunca são chamados a “prestar contas”…

É bom refletirmos, na educação brasileira, se devemos continuar copiando e colecionando os fracassos americanos, incluindo a política de bônus e as escolas charters.

Especialmente porque os reformadores brasileiros sempre se acham mais sabidos que os americanos e acreditam que corrigirão os problemas das políticas americanas.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Ideb, Links para pesquisas, Responsabilização/accountability e marcado , . Guardar link permanente.

3 respostas para IDEB: como uma ideia falida influenciou o Brasil

  1. Esse mesmo economista (e não educador) Reynaldo Fernandes cunhou o termo “efeitos colaterais” do IDEB, sendo réu confesso do maior crime praticado contra a educação brasileira reconhecendo que a elevação do índice nada tem a ver com a elevação da qualidade da educação.

  2. ERIKA PEDREIRA DA SILVA disse:

    A falta de políticas públicas em educação no cenário educacional brasileiro, talvez seja um dos principais motivos do “fracasso escolar” atribuído aos nossos alunos. Modelos prontos, importados de países que nada tem em comum com nossas “carências educativas”, não possuem os subsídios necessários para contribuir de maneira significativa para que as escolas brasileiras ofereçam aos alunos uma educação de qualidade. Planos e Metas não são suficientes para diminuir a desigualdade e o descaso com o qual durante anos a educação foi tratada em nosso país, precisamos buscar maneiras de tentar diminuí-las e não atribuir aos professores e alunos a responsabilidade pela falta de investimentos e ações significativas na área educacional.

  3. Maria Lucia Collier disse:

    Concordo com sua avaliação

Deixe um comentário