Pernambuco: atraso pedagógico inédito

É surpreendente que um dos Estados destacados do nordeste (que nos brindou com um dos mestres mais respeitados mundialmente, Paulo Freire) esteja sendo vítima de um grave atraso pedagógico que marcará gerações de professores e estudantes. O site da Secretaria da Educação do Estado de Pernambuco divulgou um novo sistema de controle da atividade didática do professor e de registro de frequência dos alunos. Trata-se da recriação de procedimentos de controle que já se julgavam superados desde que o tecnicismo pedagógico perdeu força ainda nos anos 70. Chamam-no de “Sistema de Fortalecimento das Aprendizagens”:

“A ação de Fortalecimento das Aprendizagens tem como principal objetivo apoiar os estudantes do ensino fundamental, anos finais, e do ensino médio da Rede a fim de que os mesmos melhorem seu desempenho escolar e superem as principais dificuldades referentes à aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática.

Cabe, portanto, ao professor do Fortalecimento das Aprendizagens identificar as principais dificuldades da sua turma, analisar os resultados do desempenho com o objetivo de promover intervenções pedagógicas adequadas, além de articular as atividades desenvolvidas nas aulas aos conteúdos, descritores que os estudantes demonstram ter dificuldades e os documentos curriculares.”

O sistema é todo informatizado. O manual para o professor pode ser acessado aqui. Uma tela de consulta permite ao professor baixar todos os instrumentos de controle didático que vão desde os Cadernos metodológicos para matemática e português (fundamental e médio), bem como o conteúdo por bimestre, padrões de desempenho, parâmetros curriculares e parâmetros para a sala de aula. As aulas são todas registradas no sistema, uma a uma, com data e número de identificação, bem como escola, turma e série. É na verdade a recriação do antigo “diário de classe” em sua forma eletrônica.

Este é o grau de refinamento que devemos esperar doravante sobre o professor, alunos e o ambiente da sala de aula, motivados por uma grande corrida para nenhum lugar. Trata-se de um sistema que interage com o professor como se ele fosse medíocre e irresponsável, predefinindo sua atuação. Desqualifica-o e o transforma em um mero seguidor de instruções. Não deve pensar.

O que temos é uma máquina de preparar para as provas com o nome de Fortalecimento de Aprendizagens em Português e Matemática. Nem o maior e mais radical tecnicista dos anos 70 imaginaria um grau de controle tão elevado sobre a atividade docente como o atualmente em curso na Secretaria da Educação de Pernambuco.

Trata-se o ensino e a aprendizagem como uma linha de produção na qual o professor é um mero instrumento de obtenção de padrões previamente definidos para a sala de aula, num momento em que países já se preparam para dar saltos pedagógicos muito mais arrojados baseados no ensino por áreas ou “ensino por conjunto de fenômenos”.

Corre-se em Pernambuco, atrás da elevação de médias de desempenho em duas disciplinas como se isto fosse sinônimo de boa educação, um atraso que se imporá a gerações e gerações de estudantes pernambucanos.

À medida em que as teses dos reformadores empresariais forem sendo convertidas em legislação de responsabilização, estas ações deverão explodir, apoiadas pela atuação do mercado de empresas da área educacional e de políticos ávidos para exibir nos programas eleitorais da mídia a melhora nas médias de português e matemática – não importa se às custas do emburrecimento de professores e estudantes.

Quando esta onda passar, no futuro, tais procedimentos provocarão muita risada, mas neste momento, não há nada de divertido nesta reinvenção do taylorismo pedagógico pernambucano. E logo na terra de Paulo Freire.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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11 respostas para Pernambuco: atraso pedagógico inédito

  1. Ana Paula Azarias disse:

    Eu posso ser penalizada pela “lei da mordaça”, mas vou externar minhas opiniões aqui publicamente. Afinal eu vivo num país democrático ou não? E o que dizer do SGP da Prefeitura de SP? Sistema rudimentar, nada fluido, chato de mexer, tem um jeitão ultrapassado, em tempos de Google.docs (que não é nenhuma novidade) ficar clicando em infindaveis botões e telas p que informação finalmente esteja disponível. Fora as questões de controle (vigiar e punir), ñ sou contra o professor planejar e controlar o processo ensino-aprendizagem do qual ele tbm é sujeito, sob pena de virar qualquer coisa, mas assoberba-lo de tarefas com um sisteminha conceitualmente ultrapassado e super problemático vem trazendo mais atrasos que avanços. Um ano e meio depois as informações não estão disponíveis às famílias conforme foi tão alardeado, dados desaparecem magicamente. Não sou contra a tecnologia e a informatização dos processos, ao contrário, mas é preciso algo de qualidade. Não me venham falar em qualidade na educação c esse sisteminha tão defasado. Fico a pensar no tipo de contrato firmado. Fora as questões que prof já explicitou acima. Forte abraço!!!! E mto obrigada pela oportunidade.

    • lalalala disse:

      Tb sou docente da PMSP. E concordo com tudo que a colega acima comentou. Um episódio me espantou este ano. A DRE mandou para a escola “inconsistências” em algumas turmas minhas… perguntei pra coordenação de onde vinha esse monitoramento, resposta: “Eu tb não sei, a DRE que mandou, vc tem que arrumar no sistema”. Eu não sei quem é este Ente que controla o meu SGP e dos colegas… Antes, coisas que ficavam restritas as escolas estão nas mãos de gente que sequer sabemos quem é… Tem muito mais coisa q acontece com o uso do SGP pela gestão de escola, mas tenho medo de falar aqui e ser punida.
      Confio muito mais no meu caderninho, onde anoto por escrito o que foi dado dia por dia do que no SGP…

  2. Pingback: PERNAMBUCO: ATRASO PEDAGÓGICO INÉDITO | Grupo de Estudos e Pesquisa em Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico

  3. Michael disse:

    eu sou professor, formado em pedagogia e ao meu ver a utilização da tecnologia tem seus pros e contras. No caso apresentado neste artigo estamos diante dos contras, pois querem de nós professores que, registremos aulas e demais elementos no meio virtual, sendo que muitos de nossos colegas não tiveram antes a possibilidade de contato com a própria informatica, tal qual seria necessário para um uso adequado e potencialmente vantajoso para a educação. sobre outro ponto exposto no artigo o uso do controle para as aulas não é de todo mal, o problema esta em “endeusar” o usos de métodos, sendo que o que realmente importa é o conceito que se trabalha com eles. E por fim, temos o uso ou melhor o destaque para duas materiais “português e matemática”, sendo que atualmente se discute cada veis mais o uso da interdisciplinaridade ou até mesmo para alguns a questão da transdisciplinaridade.

  4. taylorismo pedagógico na terra de Paulo Freire, pacabá…

  5. sem nome disse:

    Qual o problema em registrar a ação docente e discente ? Por que os professores tem tanto medo de que suas ações sejam monitoradas ? Todos nós gostamos de transparência política né isso ? Acho a maior babaquice por parte de professores a proliferar uma resistência quanto ao armazenamento de paços docentes. Vocês não imaginam o potencial pedagógico que esses dados podem possibilitar, sem bem explorados. O Brasil está anos luz de atraso na utilização de dados quantitativos com fins pedagógicos, países como EUA já vem fazendo isso a décadas. O problema é que no brasil EDUCAÇÃO é visto como IMPROVISO, muita gente corre léguas pra não mostrar sua pática docente.

  6. Clara Ede disse:

    É Luiz… em Mato Grosso a Secretaria de Estado de Educação “reinventou” o SIASI – (Sistema Instituto Ayrton Senna de Informações) e desde 2010 vem fazendo o “acompanhamento da aprendizagem” através do SIGA (Sistema Integrado de Gerenciamento da Aprendizagem). Eu abordo rapidamente este tema em minha Tese de Doutorado e o SIGA é objeto de estudo de nosso grupo de pesquisa na UNEMAT. Além da pesquisa do grupo, temos uma mestranda já qualificada desenvolvendo uma pesquisa muito relevante sobre os impactos de métodos gerencialistas na Gestão Democrática da escola e na autonomia do professor. Dois artigos sobre o tema, de autoria de Marilda de Oliveira Costa e minha coautoria, trazem dados que merecem ser discutidos, um ainda está no prelo. Enfim… o retrocesso que estas práticas ocasionam é irrefutável. Nós professores precisamos sim registrar as diversas facetas de nosso trabalho, mas não podemos, de forma alguma, nos tornarmos reféns de sistemas eletrônicos que, no limite, geram uma burocratização desnecessária para o professor, à custa da precarização e intensificação do trabalho docente. Sem contar a ameaça concreta às práticas democráticas nas escolas. Uma verdadeira lástima.

  7. EMANOEL LOURENÇO disse:

    NA MINHA PESQUISA DE MESTRADO INTITULADA “A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM PERNAMBUCO: DE UM PROGRAMA EXPERIMENTAL À CONSOLIDAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE GESTÃO PARA RESULTADOS” PESQUISEI O FENÔMENO DA GESTÃO ESCOLAR PARA RESULTADOS. EM PERNAMBUCO A GESTÃO DAS ESCOLAS NÃO BUSCA A DEMOCRATIZAÇÃO DAS RELAÇÕES EDUCACIONAIS, MAS OS RESULTADOS A TODO CUSTO. ESSE MONITORAMENTO É MAIS UMA FERRAMENTA DE CONTROLE DO TRABALHO DOCENTE NAS ESCOLAS DA REDE. NESSA BUSCA PELOS RESULTADOS DOIS FENÔMENOS PRECISAM SER DESTACADOS: O ADOECIMENTO DOS DOCENTES E A EXONERAÇÃO DOS DIRETORES QUE NÃO ATINGEM OS RESULTADOS IMPOSTOS PELA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO.

  8. Andreia disse:

    No ano passado, a rede estadual de SP também lançou sua secretaria digital, na qual o professor deve registrar a frequência diária dos alunos, um por um, bem como conteúdo trabalhado (que já vem pré-definido pelo próprio sistema, ou seja, o professor deve registrar se o cumpriu ou não). Algumas escolas já vem alimentando o novo diário de classe digital, concomitantemente ao manuscrito, mas a exigência ainda não chegou a todas as escolas da rede, o que não deve tardar. Na semana de 3 a 7 de agosto deste ano, todos os professores de Português e Matemática da rede tiveram que aplicar a Avaliação da Aprendizagem em Processo, uma espécie de simulado do Saresp, com 24 questões de Língua Portuguesa e 24 de Matemática, aplicado no primeiro e segundo semestres, para todos os anos do ensino fundamental e médio. De 10 a 14 de agosto, fomos obrigados a corrigir os gabaritos e as coordenadoras tiveram de tabular os dados manualmente. Para melhorar ainda mais a situação, de 17 a 20 tivemos que digitar os gabaritos, aluno por aluno, questão por questão, para alimentar o SARA – Sistema de Acompanhamento dos Resultados de Avaliações, ou seja, um retrabalho. Foi uma loucura e um absurdo o tempo que perdemos com esse processo manual para alimentar um sistema digital. Até brinquei com meus superiores que o SARA ADOECE professores. Agora, como no primeiro semestre, teremos um levantamento de quais as questões que os alunos estão errando mais e com isso deveremos elaborar uma proposta de intervenção que sane as dificuldades. Como você pode ver, professor Luiz, São Paulo não fica atrás de Pernambuco. Seguimos todos no mesmo barco rumo ao abismo. Lamentável.

  9. Acho que cabe a expressão “tiro no pé” para o comportamento dos Estados na educação.

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