O mercado por trás do homeschooling

Escondido na ideia da “autonomia da família”, o mercado se prepara para faturar com o homeschooling e também incentivar a “uberização” da profissão de professor. O  assunto é novo mas já tem sido objeto de estudo. Abaixo segue link que dá acesso a artigo de Theresa Adrião e Teise Garcia: “Educação a domicílio: O mercado bate à sua porta”.

Resumo: O artigo analisa a relação entre educação domiciliar (homeschooling e aulas particulares) e privatização da oferta da educação na etapa obrigatória. Busca identificar essa prática com a tendência de ampliação de políticas de escolha parental que podem aprofundar desigualdades educativas e subordinar a educação básica a interesses privados, para além daqueles expressos nos interesses das famílias. Caracterizamos a atuação do Grupo Pearson, que mantém um setor especificamente voltado para a educação doméstica.

Acesse aqui.

Neste estudo pode-se ler o significado da nova frente de privatização:

“Em síntese, para efeito da reflexão aqui desenvolvida, entende-se por educação a domicílio a substituição total da frequência à escola pela educação doméstica ou a complementação das atividades escolares por aulas particulares. Em ambos os casos assume-se como relevante o segmento de mercado criado quer pela comercialização de material didático dirigido às famílias que optam pela educação doméstica, quer pela criação de empresas para o atendimento educacional a domicílio que, neste caso, ofertam aulas particulares de disciplinas escolares específicas, serviços de acompanhamento de estudos ou ainda substituindo as próprias famílias na educação domiciliar.”

E como afirma Damares em entrevista à Globo, Ministra do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, proponente da MP que deverá regulamentar o homeschooling no Brasil (navegando em uma brecha deixada pelo STF) :

“Não é uma coisa solta, perdida. Vai ter logo no mercado material que vai orientar o pai como aplicar a educação para o menino de 4 anos, de 5, de 6…”

Leia íntegra da entrevista aqui.

A propositura encontrará terreno favorável no Ministério da Educação, não só pelo Ministro atual, mas especialmente porque lá está confirmada a indicação de Carlos Nadalim para a Secretaria de Alfabetização do MEC (veja aqui) e que é um entusiasta do homeschooling.

Criada a possibilidade da educação em casa com uma certa escala, as empresas se multiplicarão e a conta da “educação em casa” será repassada para o Estado (p. ex. através de vouchers), diminuindo o financiamento para a escola pública, juntamente com outros processos de privatização. Portanto, contrariamente ao que a ministra Damares diz em sua entrevista, a escola pública não será fortalecida, mas sim cada vez mais subfinanciada.

Como  já dissemos em post anterior:

Nos Estados Unidos estes setores privatistas defendem a diversificação das formas de implementação dos vouchers originalmente propostos por M. Friedman (1955), para impedir até mesmo a fixação de padrões mínimos de controle do Estado. Eles preferem créditos fiscais individuais, bolsas de crédito fiscal e Contas de Poupança da Educação (Education Savings Accounts – ESA). As ESAs permitem que as famílias reservem uma parte de seus dólares de impostos da escola pública em uma conta de poupança aprovada pelo governo – se elas deixarem a escola pública.

O movimento para livrar-se da regulação do governo e de suas escolas através das “contas de poupança da educação” prevê o uso dos recursos para a instrução das crianças em suas próprias casas (homeschooling), incentivando processos de “desescolarização” e ainda pagamento de aulas particulares, aprendizado on-line, aulas comunitárias, materiais escolares em casa, escolas particulares e até mesmo aulas de faculdades – desde que a criança não frequente uma escola pública.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Homeschooling, Links para pesquisas, Privatização. Bookmark o link permanente.

6 respostas para O mercado por trás do homeschooling

  1. Pingback: O mercado por trás do homeshooling | Grupo de Estudos e Pesquisa em Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico

  2. Helena disse:

    O texto me fez refletir bastante e gostaria de aproveitar este espaço para dialogar a respeito deste tema.
    Concordo que a institucionalização do homeschooling não proporcionará nenhuma melhoria para a desigualdade social e educacional da população brasileira. No entanto, acredito que as crianças que passarão a ser educadas em casa, caso a proposta siga adiante, sejam, em grande maioria, aquelas que já frequentam instituições de ensino privadas.
    Existe possibilidade de ‘mass-homeschooling’?
    Além de mercado para material didático de homeschooling e criação de empresas que ofereçam o serviço educacional, haverá mercado para treinar os pais para educar seus filhos e para formar professores especialistas nesta prática. Em outras palavras, criação de mercados e ampliação de edu-business (Ball, 2012).
    A MP prevê o financiamento público do homeschooling?
    Considerando o contexto sócio-econômico brasileiro, muitas famílias não tem tempo para educar os filhos em casa nem condições financeiras para pagar um professor particular. Se houver vouchers para estimular o homeschooling, será que alguns pais deixariam seus empregos para dedicar-se à educação dos filhos (recebendo o incentivo financeiro do governo)? Será que os governos locais estimularão o homeschooling a ponto de fechar escolas e fazer com que os pais a ‘façam vaquinha’ nos bairros onde residem para pagar professores particulares para educarem seus filhos?
    Por outro lado, o homeschooling se mostra como uma alternativa à reprodução das estruturas sociais perpetrada pela instituição escolar (estandardização de atitudes e tipos de conhecimento, por exemplo), e também como alternativa ao estímulo à competição presente em avaliações, premiações, meritocracia em geral. A desescolarização defendida por alguns pesquisadores como Ivan Illich poderia ser considerada neste caso.

  3. Alto Padrão disse:

    Eu tenho 2 filhas. Minha esposa trabalha em casa em regime de home office e eu, das 7-17h, de segunda a sexta. A mensalidade escolar para elas fica R$ 1.600,00/mês. Com esse dinheiro mensal, eu posso investir nos melhores professores particulares, em intercâmbios (interestaduais e internacionais), cursos extracurriculares (idiomas, equitação, esgrima, pintura, esportes, economia doméstica, astronomia, gastronomia, etc), comprar materiais que quase nunca encontrarão na escola (tecnologia, livros de qualidade e atualizados, luneta, globo, kit laboratório de química, de botânica, robótica, eletrônica, etc). Por isso o homeschooling não é para quem quer, mas para quem tem disponibilidade de tempo, dinheiro e boa vontade. Sem falar que minhas filhas são minhas, não do Estado e eu tenho LIBERDADE de oferecer a elas o que há de melhor em educação.

    • Realidade disse:

      Nossa, com R$1.600,00 você consegue pagar isso tudo?! Essas aulas e cursos estão com preços muito bons, em que cidade você reside?

      • Guilherme disse:

        Multiplique os R$ 1.600,00 por 12 e depois por 2 (duas filhas, fora gastos com material escolar). Da simples interpretação de texto podemos inferir que ele se refere a opções (provavelmente alternando durante anos letivos), não a todas as atividades de uma vez. Um mesmo material pode ser usados pelas duas filhas.Quem cuida dos filhos usa criatividade.

  4. Pingback: O mercado por trás do homeschooling, por Luiz Carlos de Freitas - APP Sindicato - Núcleo Sindical de Foz do Iguaçu

Deixe um comentário