PNE: mesmo caminho, mesmo buraco

Contrariando colegas que dizem termos tido significativos avanços no Plano Nacional da Educação (PNE), penso que não temos quase nada a comemorar. Até mesmo a ampliação dos gastos com a educação fica prejudicada face ao avanço dos reformadores empresariais nesta legislação e ao entendimento do governo de que público inclui também o privado, abrindo lugar para aumento da política de administração por concessão à iniciativa privada no gerenciamento do patrimônio público. Neste sentido, o aumento para 10% do PIB em investimentos educacionais pode significar apenas mais dinheiro para a indústria educacional nascente e para a iniciativa privada.

O novo PNE é a maior vitória já registrada de avanço das políticas dos reformadores empresariais da educação. O Todos pela Educação pode comemorar neste Natal. Nesta fase, eles não precisam mais do que isso.

Os reformadores fizeram no Brasil o mesmo caminho que seus colegas trilharam nos Estados Unidos e que denunciamos neste blog à exaustão. A estratégia foi incluir metas inatingíveis e dispositivos para pressionar Estados e Municípios a incorporar as teses por eles defendidas. Seguindo a lei de responsabilidade educacional americana, No Child Left Behind, o nosso PNE estabeleceu como meta que ao final de 10 anos nossas crianças serão 100% proficientes em todas as disciplinas da base nacional comum. Mesmo caminho, mesmo buraco. A CONAE discute hoje se incorpora esta meta em seu documento e alguns desavisados ainda querem reduzir mais os prazos ainda.

Os Estados Unidos deram 13 anos para que os seus estudantes fossem 100% proficientes apenas em leitura e matemática e não conseguiram realizar a façanha (veja aqui também). Mas nós, somos mais arrojados, reduzimos de 13 para 10 anos e incluímos todas as disciplinas. Isso é claramente uma meta inatingível.

E como elas são inatingíveis, servirão unicamente para denegrir o magistério e o serviço público e em seguida oferecer a saída pela iniciativa privada via concessão e vouchers. Prevejo uma onda de privatização por concessão no âmbito geral da educação. E mesmo assim, não atingiremos a meta declarada, ainda que atingiremos, sim, a meta oculta: encher os bolsos das empresas de consultorias e das indústrias educacionais e manter o controle ideológico sobre as escolas.

Por que é uma meta inatingível? Simplesmente porque se há algo com que todos concordam no campo da avaliação é que há uma relação direta entre rendimento do estudante e nível socioeconômico. Em geral, quanto mais rico se é, mais se pode aprender. Portanto, para que todos fossem proficientes teríamos que garantir igualmente que em 10 anos todos os outros indicadores sociais de nossos estudantes igualmente subissem, ou seja, eles teriam que ter igualmente condições de vida digna e, claro, todos os nossos professores deveriam ter condições de trabalho e salários dignos. Renda familiar ainda é o preditor mais confiável de rendimento nos testes. Continuamos fazendo política pública de costas para os dados disponíveis – claro,  o que é conveniente para alguns.

Porém, a meta de 100% não está articulada com nenhuma destas exigências quanto aos outros indicadores sociais. Servirá apenas para uma cobrança sobre a escola e seus professores, para justificar a privatização da educação. Foi assim que aconteceu nos Estados Unidos e é esse caminho que estamos seguindo aqui com o atual PNE que alguns insistem em querer comemorar.

O sinal que reforça esta tese vem da área econômica do governo atualmente em construção. Pessoas que estão sendo indicadas para ministro (Lewy na Fazenda e Katia Abreu na Agricultura) tendem a achar que os gastos públicos chegaram ao limite (ainda que menor do que os países centrais) e que, portanto, há que segurar os gastos públicos e gerir melhor os recursos aplicados “como na iniciativa privada”. Ora, a forma privilegiada de se fazer isso é aplicar o regime de concessões dos serviços públicos para que sejam administrados pela iniciativa privada – em outros termos, privatizar via concessão como já fizemos com os aeroportos que continuam um bem público mas passam a ser geridos pela iniciativa privada. Significará maior mercantilização da educação, que diferentemente dos aeroportos, é um direito e não uma mercadoria.

Por isso o governo liberou o entendimento de que público não se restringe a estatal. Prevejo que esta será a forma do governo responder às demandas no campo da educação, saúde (onde este processo de privatização já está bastante adiantado) e até mesmo na área da segurança.

Note-se que ninguém mais falou nada sobre a nomeação do Ministro da Educação. Cid Gomes é “o cara” para realizar esta política pois não tem nenhum compromisso com a área da educação e além disso praticou em seu estado a política dos reformadores empresariais da educação. Foi convidado para Ministro e ninguém, nem ele mesmo, negou que o será. Com um PNE como o que temos e a Lei de Responsabilidade Educacional quase saindo do forno, com prazo de um ano no máximo fixado no PNE para ser concluída, temos o quadro completo.

Interpreto que o silêncio em relação a quem deva ocupar o Ministério da Educação se deve à presença durante toda esta semana de cerca de 4.000 lideranças educacionais em Brasília na Conferência Nacional de Educação – CONAE. É aquela mesma conferência que o governo boicotou no começo de 2014 e adiou para que não atrapalhasse a aprovação do Plano Nacional de Educação – PNE. Um anúncio de Cid Gomes ou outro nome que não tivesse tradição na área da educação poderia levar a protestos. Como a Presidenta passou pela Conferência dia 20 pp., não era prudente que esta questão avançasse e motivasse alguma vaia em sua passagem. Imagino que na próxima semana, com o término da CONAE, esta questão será retomada.

Enfim, nada disso me surpreende.

Nós fizemos a nossa parte, apoiamos as forças mais progressistas. Agora, o governo que assuma a responsabilidade por seus atos. Nós continuaremos cobrando e fazendo a crítica.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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4 respostas para PNE: mesmo caminho, mesmo buraco

  1. Silvio Benitez disse:

    com relação a influência da classe social da comunidade escolar no desempenho do IDEB, justamente vou apresentar um artigo esta semana em Marilia no Seminario 90 anos de Lenin cujo tema é “O Ideb reforça as desigualdades sociais” que comprova o que foi escrito nesta coluna, em Foz do Iguaçu PR os melhores índices de IDEB estão nas escolas centrais onde os problemas sociais são menores porque não há concentração de favelas, e assim, segundo Boridieu (1975) a escola legitima e reforça a desigualdade social e, segundo Althusser a escola serve de aparelho ideológico do estado. Qualidade na educação fica na lata de lixo.

  2. Suelen Batista disse:

    E vamos, mais uma vez, repetir os erros de outros países. Os testes padronizados cada vez mais desvalorizando a escola pública e fortificando a iniciativa privada. Mas o que o nosso país “modelo” nos mostrou foi o resultado de que a iniciativa privada não resolve os problemas sérios educacionais que temos.

  3. Mylene Nogueira Teixeira disse:

    Prezado professor,

    tenho uma pesquisa que está sendo desenvolvida sobre o sistema de avaliação educacional, gostaria de te enviar o meu texto! Fui a palestrante da mesa depois da sua no Conae, por gentileza entre em contato,

    tudo de bom
    Mylene

  4. mylene disse:

    Caro Luiz Carlos Freitas, meu email é mnteix@gmail.com. Achei que vc teria qdo eu enviasse esse comentário,

    desculpe,
    tudo de bom, aguardo um retorno,
    Mylene

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