Mercadante: a teoria da “ilha social”

Há algumas semanas reuni em um post várias situações produzidas pelo novo Ministro da Educação, Aloisio Mercadante. Em novas declarações,  o ministro dá mostras de ter comprado a tese de que se um aluno é alfabetizado, o problema das diferenças de níveis de aprendizagem fica equacionado. Ou em suas palavras:

“Quando olhamos o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) dos anos iniciais, passamos de 3,8 para 5,2. E a meta do Ideb para 2021 é 6. Portanto, nós demos um salto extraordinário no conjunto do sistema. Só que essa melhora foi muito desigual. Então, nós temos de focar agora exatamente nessas crianças”, diz o ministro.

Mercadante sustenta que a implementação do Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa, em 2012, poderá começar a apresentar resultados de combate à diferença nas notas dos alunos. Para ele, a defasagem na alfabetização é fator-chave para entender resultados diferentes entre escolas. “Uma criança que não aprende a ler, depois não lê para aprender”, diz. (Grifos meus.)

Esta visão de senso comum, que também está presente nos reformadores empresariais, contraria o que o mundo inteiro sabe: o fator-chave que mais explica a diferença de desempenho em testes é o nível socioeconômico que com outros fatores também externos à escola, chega a explicar até 60% do desempenho. Há quem diga que o nível socioeconômico é o principal fator medido pelos testes e não o próprio desempenho acadêmico. Agora, vamos ver o que o Ministro que saiu, Janine, dizia:

“Queremos mostrar que os resultados não são apenas fruto de mérito pessoal, do estudo, mas componentes sociais fortes. (…) “Desigualdade social é externa à escola, tem um peso impressionante e é opressora. Fatores internos têm peso menor, mas papel libertador [podem melhorar a situação do jovem]. Você não consegue assegurar igualdade de oportunidades só pela escola.”

Ou seja, não desconhece a importância dos fatores internos, mas não ignora os externos. Janine tinha claro o impacto dos fatores externos no desenvolvimento dos alunos. O atual Ministro é mal assessorado na matéria, deslumbrado com soluções mágicas e acredita que a alfabetização das crianças, um fator interno à escola, nos salvará, independentemente dos fatores externos. Contra ele, tem a pesquisa educacional mostrando que não é assim. Nossa liderança educacional maior, piorou.

A fala de Mercadante é a mesma do movimento “no excuses” americano. Ele acha que assegurando que o aluno esteja na escola (política de permanência) e saiba ler (PNAIC), resolve o problema educacional. O passo seguinte é concluir que, se o aluno não aprende, a culpa é da escola. O que mais pode ilustrar a posição do Ministro é uma espécie de “teoria da escola como uma ilha social”.

E para finalizar, que ninguém é de ferro, ai vai o conselho do Ministro dado na premiação da escola com melhor índice de alfabetização do Ceará:

“O ministro agradeceu a recepção e reforçou que visitar o Ceará é motivo de orgulho, pois há um compromisso de todos na área da educação. “Temos hoje no Brasil 210 mil unidades de ensino, 50 milhões de estudantes e dois milhões de professores, e essa é uma escola que chamou nossa atenção. Dá orgulho de vir aqui no Ceará e conhecer lugares como este. Saibam que quem estuda escolhe o que vai ser na vida. Quem não estuda é escolhido ou não. Portanto, estudem e escolham“, enfatizou.” (Grifos meus.)

Sacou? É uma questão de mérito.

That´s all folks… for now.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Mercadante no Ministério, Meritocracia, Responsabilização/accountability, Segregação/exclusão. Bookmark o link permanente.

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