Dizem que os cachimbos entortam a boca de quem os usa por muito tempo. Nada mais adequado para ilustrar a posição de Priscila Cruz, em recente post: Avaliação na Educação Infantil: criança aprende muito, mas aprende bem? Priscila Cruz é fundadora e presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação (TPE).
Seu post refere-se às mudanças no agora chamado Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que incluiu a avaliação da educação infantil e reuniu todas as avaliações do ensino fundamental e do médio sob uma mesma rubrica, SAEB, aplicadas no 2º, 5º, 9º do ensino fundamental e 3º do ensino médio. Com isso, desaparecem as denominações Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), mais conhecida como Prova Brasil. No caso da ANA, ela foi antecipada do 3º para o 2º ano, criando pressões sobre a educação infantil em função de uma suposta “idade certa” para se alfabetizar.
Na avaliação feita no 9º ano, final do fundamental, incluiu-se também Ciências da Natureza e Ciências Humanas, mas só nesta avaliação, em consonância com o destino que se quer dar ao ensino médio, ou seja, abrir espaço para a profissionalização precoce do estudante de baixa renda e criar um caminho para os de maior poder aquisitivo para as universidades – a título de flexibilização do ensino médio. Por isso, a avaliação no final do ensino médio prevê focar somente Língua Portuguesa e Matemática (como as avaliações do ensino fundamental no 2º e 5º anos). Mas note, ciências naturais e humanas, incluídas apenas no 9º ano, não contarão no cálculo do IDEB que continuará focado em Língua Portuguesa e Matemática.
A propósito da inclusão de uma avaliação da educação infantil no SAEB, indaga a autora, “a proposta é positiva?”
“Sim, mas é preciso lembrar que estamos falando de um público muito especial e, portanto, é preciso ficar claro o que pode e o que não pode ser essa avaliação. Não pode: ser de seleção, aprovação/reprovação de alunos. Pode: ser um instrumento de acompanhamento do desenvolvimento individual de cada aluno e monitoramento da Educação Infantil”.
Então, segundo a autora, a avaliação da educação infantil pode ser destinada a 1) acompanhar o desenvolvimento individual de cada aluno; e 2) monitorar a Educação Infantil. São dois objetivos distintos, pois, monitorar a educação infantil é mais amplo e leva a avaliação para o campo das condições de oferta. No entanto, acompanhar o desenvolvimento individual de cada aluno, remete ao efeito das condições sobre a aprendizagem de cada um, revelando a real intenção, avaliar individual o aluno – com ou sem exames formais.
Ao admitir que a avaliação pode ser um “acompanhamento do desenvolvimento individual de cada aluno” (grifos meus), está admitida a avaliação (externa) com vistas a determinar a proficiência de cada aluno, nos termos dos supostos “direitos de aprendizagem” fixados na Base Nacional Comum Curricular para esta faixa etária.
A autora informa “que não pode ser um exame”, pois “trata-se de criar um espaço em que a criança possa criar, brincar, inventar, experimentar, sentir, relacionar-se e, no meio de tudo isso, aprender.” (Grifos meus.) Aprender o quê? Aquilo que está definido na Base Nacional Comum Curricular. O fato de não ter o “formato” de um exame, não implica em que não haja avaliação da criança, pois somente assim se pode ter um “acompanhamento do desenvolvimento individual de cada aluno” como quer a autora. E como no segundo ano do ensino fundamental temos avaliação de língua portuguesa e matemática, as pressões para este tipo de avaliação individualizada vão penetrar na educação infantil de forma inadequada, gerando primeiro a adoção de “check-lists” de competências e habilidades, bem como simulados informais, e posteriormente pressionando para que se tenha, sim, exames formais nacionais neste nível de ensino.
Por ora, sobre o aluno não haverá o peso de um exame. A proposta vem embalada em uma avaliação da escola e sua infraestrutura, ou seja, uma avaliação de condições de oferta, mas o post da autora revela sua eventual destinação: vem dentro de uma “filosofia” que prega o acompanhamento “externo” daquilo que a autora admite ser o escopo da avaliação, ou seja, um “acompanhamento do desenvolvimento individual de cada aluno”.
É compreensível que as escolas sejam avaliadas em termos das condições de oferta – embora as escolas particulares, como sempre, estejam fora do circuito das avaliações nacionais – mas qual a finalidade de uma avaliação para “acompanhamento individual de cada aluno”, quando isso já é feito regularmente pelo professor em sua sala de aula e por métodos muito mais adequados? Só pode ser uma: impor desde fora um controle sobre a escola e seus professores, em função da Base Nacional Comum Curricular – um instrumento de padronização nacional que tolhe a autonomia docente, através de avaliações.
E não é outra a razão pela qual, no Brasil, as nossas avaliações de larga escala nacionais são censitárias, cobrindo todas as escolas e seus estudantes, quando poderiam ser simplesmente amostrais.
Tenho alertado os encantados com a BNCC, inclusive pares da luta pela qualidade da Educação Infantil, sobre o grave momento de retrocessos e cooptacoes. É hora de os Fóruns lutarem juntos pelo direito à apropriação crítica de todas as intencionalidade do Estado dominado por forças conservadoras.
Abraços, Luiz.
Olá. Pelo menos fizemos nossa parte… Abraço. Luiz
Interessante a colocação exposta sob a ótica de pressão para uma educação limitada, padronizada e direcionada a um determinado público-alvo, os menos abastados, com o objetivo claro, porém, nas entrelinhas, de formar um exército proletários para o mercado de trabalho já desde tenra idade.
Isso é de tamanha covardia e desumanidade.