Ligar Ciro a Sobral(CE), agora, é golpe baixo

A Folha de São Paulo revela, hoje 30-09-2018, que pode haver fraudes em provas na cidade de Sobral (CE), que tem tido sua política educacional apontada como exemplo de sucesso. Nenhuma surpresa para quem conhece este tipo de política educacional que é usado por lá. Exatamente por ela ter um IDEB tão alto (9,1) é que a suspeição faz sentido, pois todos sabemos que não há milagres em educação.

A reportagem da Folha de São Paulo diz que alunos com melhor desempenho substituíam alunos de menor desempenho nos dias de prova para melhorar a nota da escola e do município no IDEB. MEC, Secretaria da Educação de Sobral e outros negam.

A denúncia de fraude em avaliação é compatível com o que dizem as pesquisas que analisam a utilização de responsabilização baseada em testes de desempenho de alunos como o caso de Sobral. Ela cria pressões sobre as redes de ensino que acabam sendo resolvidas de várias formas e nem sempre de maneira ética.

Infelizmente, a reportagem parece que está tratando a questão com viés eleitoral, o que é lamentável, pois isso distorce o problema. Diz a manchete: Estudantes de Sobral, berço de Ciro, relatam pressão para fraudar provas. 

Leia aqui.

O que incomoda é que a Folha tem procurado disparar “balas de prata” contra candidatos à eleição criando incertezas no já conturbado processo eleitoral em curso, ao invés de debater seriamente as questões educacionais. Qual será o próximo candidato a ser alvejado?

Não será surpresa se encontrarmos, de fato, problemas com as avaliações em Sobral. Temos alertado para isso neste Blog. A questão é por que a Folha só agora – depois de enaltecer a política educacional de Sobral em outros momentos – resolve disparar contra aquela cidade em uma seção do jornal de nome “Eleições 2018”.

O Jornal GGN divulgou excelente matéria sobre os problemas de Sobral (em abril de 2017) realizada depois de três meses de trabalho jornalístico investigativo naquela cidade, chegando às mesmas conclusões – até mais detalhadas – que agora a Folha divulga. Não parece ter chamado a atenção.

Leia aqui matéria do GGN.

Preocupada com Sobral no Ceará, a Folha se esquece que, aqui mesmo em São Paulo, ela poderia encontrar este tipo de problema, já que também no estado de São Paulo vivemos sob o efeito de uma política de responsabilização baseada em testes – embora com outros parâmetros.

A própria Folha revelou, antes do período eleitoral, em excelente reportagem o problema com o pagamento de bônus por mérito em São Paulo e que envolveu gastos de 4.2 bilhões de reais. A reportagem revela que o pagamento de bônus é mantido há anos, mesmo sabendo-se que não há resultado que justifique sua manutenção. Isso ocorreu na gestão de Alckmin, mas não é lembrado pela Folha. Será contra Alckmin a próxima bala de prata?

Leia aqui.

Concordamos que muito provavelmente exista problema em Sobral, mas abordá-lo da forma como está sendo feito é um golpe baixo que deve ser condenado. Nem o candidato, nem a cidade de Sobral, nem a educação merecem esta situação criada pela Folha.

E só para deixar bem claro, não sou eleitor de Ciro Gomes.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Ideb, Meritocracia, Privatização, Prova Brasil, Responsabilização/accountability e marcado . Guardar link permanente.

9 respostas para Ligar Ciro a Sobral(CE), agora, é golpe baixo

  1. Sugiro assistir a série de 4 breves reportagens do jornalista Wellington Macedo, residente de Sobral, que está sendo ameaçado por autoridades locais por ter revelado vários casos de fraude nesses vídeos, assim como estão sendo ameaçadas as crianças e outras testemunhas na reportagem, por gestores de suas escolas. Segundo o jornalista, essas são informações baseadas em investigações que se estendem há mais de 2 anos, com informações recebidas de pessoas que foram de alguma forma cooptadas e envolvidas no esquema de fraude:
    Links bloqueados pelo blog pois trata-se de matéria subjúdice.)
    E mais um resumo sobre as reportagens:
    (Link bloqueado pelo blog pois trata-se de matéria subjúdice.)
    E só para esclarecer, não sou contra eleitores de Ciro, e nem faço campanha a favor de qualquer outro candidato. Esse caso é um problema sério da educação mesmo, e deve ser investigado e discutido nacionalmente, especialmente pela propaganda que é feita mesmo antes desta eleição sobre os resultados do IDEB do Ceará e de Sobral, e de outras cidades da região em particular, independente dos diversos golpes políticos e do melindrismo desta época atual.

  2. Aliás, concordo que situação similares a esse caso de Sobral podem provavelmente estar sendo replicadas em muitos outros estados, inclusive em SP.

    Por isso mesmo é que se faz tão importante trazer à tona essa situação do Ceará, que ganha prêmios e notoriedade com seus resultados do IDEB, independente de estarmos em época de eleições ou não. Infelizmente, essas notícias acabam angariando bem mais atenção do que qualquer matéria escondida numa editoria de educação. Se essa atenção servir para corrigir os problemas de fraude em Sobral e no Ceará, por que não divulgar agora? Não seria antiético esconder o caso?

    Parece mais importante revelar o ocorrido, seja em que época for, do que defender as dores dos candidatos atrelados aos esquemas de corrupção, sejam eles quem forem (especialmente ao envolver com crianças em idade escolar nesses esquemas, o que é contrário aos objetivos da educação).

    Todos os candidatos estão sendo mais ou menos vigiados nesta época, e deveriam ser mesmo. Por que deveríamos colocar para baixo do tapete quaisquer falcatruas que poderiam afetar as candidaturas?

    Ou será que os outros veículos que não apresentam o caso ao público nesta época estão querendo fazer negócios ou barganha com os coandidatos? O próprio jornalista dos vídeos acima já disse que informou a vários grupos midiáticos locais e nacionais, incluindo a Veja, mas não se atrevem a tocar no tema, enquanto, entre veículos de maior circulação, apenas a Isto É (10 dias atrás) e a Folha (hoje) publicaram algo sobre o caso até então.

    Estamos em época de esquecer as investigações na educação, tão raras, por piedade a candidaturas de A ou B?

    • Esta discussão, feita sob bandeira eleitoral, será esquecida no dia seguinte da eleição. Não contribui. A discussão não tem que se limitar à fraude, tem que ir ao âmago da questão: a política de responsabilização baseada em testes e em vários estados e municípios. Abraço.
      Luiz

      • IVAN DOS SANTOS OLIVEIRA disse:

        Situação análoga acontece em minha cidade, Teresina-PI, a qual tem os melhores índices nacionais na Provinha Brasil. “Estratégias” para alcançar melhores resultados não faltam, muitas delas não muito éticas, com certeza.

      • Ponto importante, o esquecimento.
        Seu blog faz um bom serviço para que isso não aconteça totalmente. Que trabalhos assim se propaguem e que a educação um dia envolva tanta energia, atenção e articulação da população, da mídia e das instituições quanto a eleição.

      • ATLANTA, nos Estados Unidos passou por isso. Pegaram as fraudes, prenderam as pessoas mas não se discutiu a política que continuou a ser usada. Vamos torcer para ser diferente por aqui. Abraço e obrigado pelos vídeos.

  3. Eloisa De Blasis disse:

    A maquiagem dos dados e as estratégias adaptativas usadas pelas escolas, para sobreviver aos efeitos da responsabilização pelos resultados das avaliações externas tem sido sistematicamente apontadas por diversos estudos (aqui e fora). Informações como as divulgadas hoje pela Folha sobre Sobral, certamente são de seu conhecimento há tempos, mas nunca aventadas nas matérias de divulgação dos dados oficiais, quando poderiam lançar dúvidas sobre a arquitetura da responsabilização e seus efeitos. Se de um lado usa-se a informação para abalar a imagem de uma candidatura, de outro, lança-se a dúvida sobre os sistemas avaliativos e seus reais efeitos para a educação pública, que vem sendo reduzida a dois campos do conhecimento sem nem mesmo acompanhar a amplitude desses mesmos campos. O caso de Sobral é emblemático por estar sempre servindo de exemplo aos “reformadores da educação pública”, saídos das escolas de economia e administração e não das escolas de Educação, como caso emblemático de sucesso na “gestão educacional”. É importante que as fraudes sejam conhecidas e que se discuta a política usada. Torço também para que seja diferente por aqui.

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