Política Educacional e Base Nacional – I

Os reformadores empresariais costumam defender a existência de uma base nacional no Brasil argumentando que os países que têm bom desempenho em educação têm sua base nacional comum (leia-se, obrigatória). O que não enfatizam é que esta base nacional está inserida em uma concepção de educação e em uma política pública.

Com a internacionalização das políticas públicas, o que estamos assistindo é a exportação, sob comando da OCDE, das práticas de se efetivar educação na ótica dos reformadores empresariais da educação. O conceito de “boas práticas” tem servido para isso. Nos países dos quais estas práticas são importadas, elas estão inseridas em políticas, são conformadas por estas e ao importarmos tais práticas, importamos junto as suas concepções e suas políticas de fundo. Esta é a questão que tem passado sem debate.

Não temos uma política pública própria para a educação brasileira. Não considero o PNE – Plano Nacional de Educação – uma política. É um texto do congresso sem a organicidade necessária a uma política. O esboço de política pública mais próximo que temos é o texto da CONAE – Conferência Nacional de Educação – que não foi considerado para nada na questão da elaboração da base nacional obrigatória.

A primeira versão da base nacional comum está disponível. Terá até junho de 2016 para receber uma versão definitiva, aprovada no Conselho Nacional de Educação. Mas o tempo para discussão será menor. A mídia está exultante e tem pressa. Em editorial “comemorativo, com direito a página três da Folha redigido pela Fundação Lemann, a mídia pede urgência e celeridade na implantação.

“Pela enésima vez, diz o Editorial da Folha, urge que se diga: não é mais de discussão que a educação brasileira precisa, mas de decisão e ação – as matérias que hoje mais faltam no Planalto.”

Boa parte está contente por ter uma base nacional obrigatória. Nossa tradição autoritária pede decisões fortes. Decisão e ação, nada de discussão diz a Folha de São Paulo.

O grande problema, aqui, não é ter ou não ter uma base nacional, como se quer fazer parecer, mas é a própria concepção de base nacional que se está usando e seu isolamento da discussão da opção por uma política educacional nacional que deveria assegurar seu cumprimento. O processo está invertido.

Não estamos falando é claro, da implementação da base nacional ao nível de sala de aula. Neste nível, sem dúvida, a base nacional vem antes. Se não sei o que vou ensinar, não posso discutir como. Mas o mesmo não é verdadeiro quando se trata da política educacional em geral. Neste caso, não se trata de ensino e sim de planejamento global, de remoção de obstáculos que impedirão o desenvolvimento da própria base nacional no momento seguinte. Trata-se de pautar os grandes problemas da educação brasileira e suas formas de encaminhamento, sem o que uma base nacional não será efetivada.

Na política educacional é preciso desenhar a estratégia e desenvolver suas partes de forma orgânica e articulada. Algo que sempre faltou no MEC. Uma base nacional comum é apenas uma parte da política educacional nacional, a qual envolve uma concepção de educação, uma concepção de sistema nacional de educação, uma elaboração de sistema nacional de formação de professores, sistema nacional de avaliação, financiamento, etc. Não temos uma proposta de política educacional que nos oriente – estamos importando-a pela via dos reformadores empresariais da educação.

Antes de tudo, uma política educacional precisa definir um projeto de formação para a juventude. É isso que a Folha e os próprios reformadores não querem discutir. De fato, não precisam discutir, pois esta orientação geral já está pressuposta e aceita para eles nas práticas que importam: a introdução da concorrência, da competição e do mercado nas relações educacionais.

Ao formatar uma base nacional com finalidade de avaliar os estudantes, as escolas, produzir material didático, definir a formação de professores, todas estas ações ficam subordinadas aos pressupostos da base nacional que está sendo desenvolvida: com foco na avaliação e responsabilização dos agentes escolares. Aqui já está assumida uma determinada política educacional. Há uma palavrinha que é chave: obrigatória. Pela primeira vez, vamos ter um rol de objetivos de aprendizagem obrigatórios, portanto, esta característica já está alinhada com a própria política que deu origem a esta concepção de base nacional em outros países.

Por que os reformadores estão empenhados nela? Porque se não é nacional e obrigatória, não há como responsabilizar as escolas. E para eles só se melhora a educação a partir de avaliação e responsabilização dos agentes. Esta é a política que orienta esta base: a lógica da pressão sobre as escolas que está sendo aceita sem debate. Ela se articula com a avaliação censitária já em vigor no INEP.

Vai-se direto para a discussão de quais são os conteúdos de ensino e pula-se a conceituação, por exemplo, do que entendemos por garantir uma boa educação para a juventude. Com isso, deixamos que os reformadores empresariais firmem a concepção de que nota alta nos testes é boa educação e garantia de aprendizagem dos conhecimentos básicos nas várias disciplinas. Podemos dormir tranquilos: os direitos de aprendizagem foram garantidos. Falso, com isso, apenas deixamos a porta aberta para a segregação escolar embutida nos processos de medição e classificação.

Recentemente pudemos ver como nos Estados Unidos os governos graduam a aplicação das escalas de proficiência com o objetivo de alterar a porcentagem de alunos que são considerados proficientes ou não em um determinado nível da escala – para mais ou para menos. Para mais, quando se trata de mostrar eficiência dos governos. Para menos quando se trata de induzir privatização das escolas públicas.

Sempre que um direito é assegurado por lei, logo os liberais se refugiam no livre arbítrio do indivíduo ou no esforço pessoal, para continuar a sonegá-lo. A nota nos testes, produzidos a partir da base nacional, como referência de boa educação e garantia de direitos é o refúgio perfeito para a continuidade da exclusão em sua forma oculta e “justificada”, ou seja, mote perfeito para a aplicação da lógica liberal de que a oportunidade foi dada, mas o indivíduo não soube aproveitar. Os países que aplicaram estas políticas não melhoraram os “gaps” de inclusão – ou ficaram igual ou aumentaram a exclusão escolar no interior da escola. Há farto material sobre isso neste blog.

Continua no próximo post.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Janine no Ministério, Meritocracia, Privatização, Responsabilização/accountability, Segregação/exclusão e marcado . Guardar link permanente.

2 respostas para Política Educacional e Base Nacional – I

  1. Suzani disse:

    Sempre lúcido esse meu professor que tanto admiro

  2. Antonio Alves disse:

    Sem comentários, professor!
    Agradeço por nos brindar com mais essa reflexão.
    Antônio

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