Samuel Pessoa resume na Folha de São Paulo (05-07-15) aspectos da estratégia do capital para o país em um artigo que denominou: “Luzes no fim do túnel”. É sempre bom ler Samuel, pois ele foi da campanha de Aécio Neves candidato derrotado do PSDB nas últimas eleições, partido que comanda, hoje, a derrubada de Dilma. Quem sabe não é por isso que andam vendo luzes… Depois de Fernando Henrique Cardoso, para os neoliberais, o país entrou em um túnel escuro.
Há algum tempo, antes e logo depois da eleição de Dilma, nos aventuramos a fazer algumas considerações sobre as relações entre educação e economia brasileira, sempre de olho na experiência americana dos reformadores empresariais. Dizíamos, em outubro de 2014, que:
“O pós-eleitoral só confirma que o mal estar em relação a Dilma está ligado a uma análise já feita aqui mostrando que a elevação do salário médio do trabalhador brasileiro nos últimos 12 anos em clima de não elevação significativa da produtividade deste trabalhador, reduziu a rentabilidade dos empresários. Reforça também que o interesse dos empresários pela educação se deve a que ela é considerada importante – ainda que não seja a única responsável – para a elevação da produtividade (e da competitividade). Esta é uma das fontes de desconforto que levou o “mercado” a atuar em favor de Aécio.”
Passado o tempo, veio o ajuste fiscal de Levy mostrando que o governo Dilma havia optado por uma intervenção dura na economia para recompor no curto prazo a relação entre produtividade e salários, a favor dos empresários. Logo depois veio o documento Pátria Educadora da SAE com seu “produtivismo includente” sobre o papel da educação na recomposição da produtividade no médio e longo prazo.
Samuel Pessoa, economista que entende a educação do ponto de vista dos reformadores empresariais, faz um breve resumo da situação atual após o ajuste de Levy:
“A “boa notícia” foi a queda de 5% do rendimento médio real.” E acrescenta. A “boa notícia”, portanto, foi que os salários nominais têm crescido a taxas cada vez menores.”
Samuel comemora, mesmo que entre aspas, a boa notícia da queda dos salários nominal e real. Acena com recompensas futuras, entretanto:
“… quanto mais rápida for a queda do salário real, mais rapidamente a inflação convergirá para a meta e, portanto, mais rapidamente o Banco Central poderia iniciar um ciclo de redução da taxa de juros e, menor portanto, será o aumento do desemprego.”
Ou seja, quando se trata de salários e emprego, não há pressa – no futuro “poderia iniciar um ciclo”; “menor será o aumento do desemprego”. Menor, mas quanto menor? Pressa mesmo, só para o ajuste de produtividade que se faz à custa da redução do salário médio, com desemprego e queda de salário nominal.
No entanto, nem tudo são flores… Há más notícias – alerta Samuel.
“O grande problema, e essa é a má notícia, é que, mesmo que tudo ocorra conforme este roteiro, estaremos ainda vivenciando forte desequilíbrio nas contas públicas.”
É o tal do superávit primário. E aí vem a revelação:
“Parece-me que a estratégia do ministro Levy hoje é tentar arrumar o que é possível da casa o mais rapidamente, para que fique claro à sociedade o desequilíbrio da política fiscal.”
Depois de dizer que a atual política fiscal está vinculada ao combate da inflação, contracionista portanto, vem a visão de futuro:
“o desequilíbrio fiscal cresceu tanto que, sem forte elevação da carga tributária, sem uma forte desvinculação da receita da União e sem rever profundamente os critérios de elegibilidade e valor dos benefícios de nosso Estado do bem-estar social, não será possível chegarmos a um nível de superávit primário que estabilize a dívida pública.”
Para Samuel o confronto é entre o estado do bem-estar social e a política neoliberal proposta por ele. O que está oferecendo como solução é requentar a política iniciada por Fernando Henrique Cardoso nos anos 90 e configurada na proposta da Reforma do Estado feita por Bresser Pereira ainda naquele governo. Já vimos como funciona.
É neste contexto também que deve ser examinado o documento Pátria Educadora da SAE.
Portanto, se Dilma for derrubada, como pretendem os neoliberais, então caminharemos rapidamente para esta retomada neoliberal. O caminho está claro.
E se ela não cair, também não devemos ter a esperança de que não teremos uma política neoliberal sendo desenvolvida. Pode ser que haja diferença apenas de intensidade.
A análise de Samuel é incisiva no sentido de evidenciar que ao final, deve ficar claro que o problema é a política fiscal – ou seja o fato do governo gastar demais. Ou se cobra mais impostos (o que atinge também os empresários) ou se gasta menos. Como se resolve esta situação? Certamente não contra os empresários, e sim com terceirização, privatização e outras iniciativas em curso no Congresso que reduzam gasto público. Os aumentos de gasto público aprovados atualmente no Congresso são apenas uma forma de aprofundar o desgaste do governo obrigando-o a vetá-los. Fazem parte da estratégia para derrubar o governo.
Como atender a demanda crescente por educação sem gastar mais recursos públicos? Envolvendo a iniciativa privada. Os neoliberais estão preparando o Estado, via Congresso, para a aplicação das teses neoliberais de enxugamento de gastos públicos com deslocamento de recursos para a iniciativa privada. O ciclo Lula foi bom para os empresários enquanto produziu consumo e ativou a demanda gerando lucros. Na medida em que ele produz a valorização dos salários e a rentabilidade do capital cai, ele não serve mais, já cumpriu sua função. Toda esta questão da corrupção oculta este movimento na base material da sociedade. A linha é clara: antecipar o fim do governo Dilma e retomar o governo FHC. Não dá para ser ingênuo. As consequências para a educação são por si dedutíveis: será incluída em uma ampla reforma fiscal visando sua privatização. Quem duvida, leia o programa de Aécio para a educação.
O mesmo caminho trilhado hoje com os aeroportos, estradas e com o pacote de infraestrutura em elaboração no governo, será usado com todas as áreas. O que deveria ser investido na escola pública, irá parar no bolso de terceirizadas. Recompor isso no futuro, não será tarefa fácil. Veja-se o Chile.
Mesmo que Dilma continue no governo, não conseguirá fugir totalmente a esta lógica. No entanto, a intensidade poderá ser outra. E sempre podemos cobrá-la por fazer uma política diferente. Com Aécio no lugar de Dilma – por oportunismo ou por outro meio – ou ainda, mesmo com Temer em seu lugar, nossa capacidade de cobrança será nula.
O ressurgimento do neoliberalismo em curso atualmente trará consequências nefastas para a educação pública e para o país. Já experimentamos um pouco disso. Mas ainda não vivenciamos o cardápio todo. Não deu tempo pois Lula o interrompeu.
Há que se lembrar ainda que o neoliberalismo é fruto histórico de uma associação entre liberais e conservadores. Portanto, nada a estranhar se o conservadorismo que já estamos vendo no Congresso e na sociedade se ampliar.
Daí que PSDB e PMDB – base de liberais e conservadores – já que o antigo DEM, hoje partido Democrata, é inexpressivo -, estejam muito bem sintonizados. A antiga aliança PSDB-PFL do governo Fernando Henrique será recuperada como PSDB-PMDB – nos bastidores já conversam.
Está em curso o ressurgimento do neoliberalismo no estado brasileiro, interrompido pelo ciclo Lulista. Foi por isso, também, que defendemos nas últimas eleições que Lula fosse o candidato e não Dilma. Será necessário muito esforço e habilidade para segurar o ressurgimento do neoliberalismo como política oficial do Estado.
Importante os comentários de Luiz Carlos Freias. Servem de contraponto a um certo voluntarismo da esquerda que não percebe que Dilma está acuada e teve que ceder para, talvez, retomar o projeto distributivo mais tarde. Lula também cedeu, colocando Meirelles no Banco Central em 2003. Se não fizesse isso, nem tomaria posse. Depois conseguiu avançar “um pouco” no projeto distributivista.
Enquanto a esquerda se sentir acuada mais será o avanço da direita. Dilma está indo bem do ponto de vista do mundo do trabalho? Não. Entretanto, não podemos esquecer o que Aloysio Nunes anunciou como porta voz da direita, o “seu” desejo de sangrar a presidente. Vamos continuar procurando o diálogo ou a crítica construtiva e não a derrubada ou o “sangramento” do governo. A esquerda mobilizada, e não acuada, pode sim empurrar o governo para outro patamar. Não queremos novamente a direita no poder, o “Brasil dos Incluídos” deve avançar e não recuar.