USA: aprendamos com o erro dos outros

No momento em que as reformas empresariais da educação são adotadas como referência pelo novo governo brasileiro, torna-se mais necessário ainda que os resultados destas políticas em outros países sejam considerados.

Novo relatório da Network for Public Education nos Estados Unidos alerta para a situação crítica que as políticas de responsabilização e meritocracia estão produzindo nos professores ao longo do pais. Para os pesquisadores, “os professores escolhem a profissão por causa de seu amor pelas crianças e seu desejo de ajudá-las crescer e florescer”, no entanto, “através da nação, os educadores estão deixando a sala de aula”. A escassez de professores é uma realidade em quase todos os estados americanos. (Veja aqui também.)

Um dos fatores que afetam esta situação é o movimento da reforma empresarial que está aumentando cada vez mais a pressão para que as escolas subam as notas dos alunos, ao mesmo tempo em que reduz o apoio. Esta pressão aumentou drasticamente com a inclusão das notas dos estudantes nas avaliações dos professores – através de cálculo de valor agregado. Em alguns estados o cálculo de valor agregado é responsável por 50% do salário dos professores.

O estudo foi encomendado em 2015 para saber mais sobre o impacto da avaliação de professores sobre a profissão. Ao longo de algumas semanas, 2.964 professores e diretores de 48 estados participaram. Uma equipe de professores e administradores analisou os dados e avaliou as narrativas.

Aqui está o que se obteve:

– Os professores e diretores acreditam que as avaliações dos professores com base nos resultados de testes dos alunos, especialmente o Cálculo de Valor Agregado (VAM), não são nem medidas válidas e nem confiáveis de seu trabalho. Eles afirmam que as pontuações obtidas por Cálculo de Valor Agregado punem os professores que trabalham com os alunos mais vulneráveis. Dos respondentes, 83% indicaram que o uso de pontuações nas avaliações teve um impacto negativo sobre o ensino, e 88% disseram que gastam mais tempo em preparação para o teste do que nunca.

– A ênfase na melhoria de pontuações dos alunos em testes tem sobrecarregado todos os aspectos do trabalho dos professores, obrigando-os a gastar um precioso tempo colaborativo debruçado sobre os dados dos alunos, ao invés de ter conversas sobre os estudantes e o ensino. Sessenta e seis por cento dos entrevistados relataram um impacto negativo nas relações com os seus estudantes como resultado da pressão pelo foco em resultados de testes.

– Mais da metade dos entrevistados (52,08%) são testemunhas de viés contra professores mais velhos. Há evidência de que estas avaliações estão tendo impacto negativo, contribuindo para a diminuição de professores negros, professores mais velhos, e daqueles que servem aos alunos em situação de pobreza.

– O desenvolvimento profissional de professores ligado ao processo de avaliação está tendo um efeito que mina seu senso de autonomia e limita sua capacidade de crescimento profissional real. 85% dos entrevistados indicaram que o desenvolvimento profissional de alta qualidade não está ligado à suas avaliações, e 84% relataram um efeito negativo sobre as relações entre professores e supervisores. 81% dos entrevistados relatam mudanças negativas nas conversas sobre ensino com seus colegas.

Baixe aqui (em inglês) o relatório completo da NPE sobre os professores americanos.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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Uma resposta para USA: aprendamos com o erro dos outros

  1. Andreia disse:

    Sou professora da SEE de São Paulo desde 1999. Amo minha profissão, no entanto, desde que essas reformas começaram a ser implantadas em 2008, minha energia vem sendo minada ano após ano, a ponto de não saber quanto tempo mais conseguirei enfrentar a força e a bestialidade com que este processo de enterrar de vez a qualidade da educação das escolas públicas vem sendo implantado. Trabalhar com vistas apenas em obter resultados no Saresp é deprimente. O Caderno do Aluno (apostila obrigatória na rede) é uma afronta à inteligência e capacidade de professores e alunos, com conteúdos totalmente imbecilizados em algumas disciplinas e praticamente impraticáveis em outras (como no caso do Inglês, matéria que seria de grande valia, se fosse apropriado para a realidade das aulas na rede pública, uma vez que muitas escolas não dispõem de livros didáticos para essa disciplina). A nova ferramenta, tão alardeada pela Secretaria – SARA – Sistema de Acompanhamento dos Resultados de Avaliações, só serve para atrapalhar nossa vida, tomando ainda mais nosso precioso tempo, com digitação e acompanhamento de resultados de testes padronizados, que, na verdade, não dizem absolutamente nada a respeito de nosso trabalho e sobre o rumo que devemos tomar para levar nossos alunos ao que realmente é necessário. Precisamos parar esses reformadores, antes que eles nos parem.

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