A recente confusão criada com os preços da gasolina da Petrobras que motivaram a greve dos caminhoneiros, embora em uma área diferente, mostra a lógica do financismo: a gasolina tem que seguir o custo internacional – com variação diária em dólar – e não ficar controlada pelos seus efeitos na economia nacional e no dia-a-dia das pessoas, no Brasil. Primeiro deve-se garantir a rentabilidade dos investidores. Qualquer mudança nesta concepção é tida pelos rentistas como “populismo” e “retrocesso”.
Para Samuel Pessôa, por exemplo, “a conta não pode ser jogada nos acionistas da Petrobrás”. Se o acionista comprou ações da Petrobras e acreditou na mudança da companhia, não há porque subitamente retroceder nesta política e jogar a conta para o acionista.
Curiosamente, todos sabemos que quem compra ações, entra em um “mercado de risco” – com ações ganha-se ou perde-se – faz parte da regra do “capitalismo desenvolvido”. Mas para Samuel, o acionista não pode correr risco, tem que ter seu lucro assegurado. Este é o tipo de capitalismo brasileiro, ou melhor dizendo, pré-capitalismo brasileiro que quer só lucro, o prejuízo é sempre da sociedade. Por aqui, a elite acha que as regras de risco do capitalismo são para os outros, ela quer só a parte boa do capitalismo. Portanto, cabe ao governo de turno garantir uma política que gere lucro e não atender aos interesses sociais.
O ocorrido na Petrobras é um importante alerta para que lutemos contra a privatização da educação, saúde, prisões, água entre outros. A entrada do financismo nestas áreas faz com que se perca a finalidade de atender aos interesses nacionais e sociais, e passa-se a atender aos interesses do rentismo de grupos econômicos.
Na saúde e na educação, a pressão por atender os padrões de rentabilidade dos acionistas acaba tendo o mesmo “efeito Petrobrás” (perde-se o objetivo da escola ou do hospital e passa-se a ter como objetivo prioritário atender à rentabilidade), com a agravante de que, nestes casos, por envolver terceirização da operação para Organizações Sociais, as fraudes prosperam.
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O formato de gestão, insumos, contratação de pessoal, entre outros itens, passam a ser feitos pelas OSs em função do impacto nos acionistas e não do impacto na qualidade dos serviços e na necessidade das pessoas atendidas.
No caso da educação, o impacto é sentido diretamente na contratação de professores (com alta rotatividade e menor qualificação) e na elevada quantidade de alunos por sala de aula nas escolas (exceção feita às escolas que atendem a população mais bem posicionada financeiramente, onde há co-pagamento de uma parte dos custos pelos pais). As pessoas com necessidades especiais são segregadas devido ao custo maior da atenção, ou então aceitam-se apenas aquelas com necessidades especiais mais leves.
Os motivos para terceirizar a operação para Organizações Sociais, entre eles a sua maior agilidade, não se justificam, pois ao usar Organizações Sociais, deixa-se de aprimorar a legislação do serviço público e dar a este a agilidade que precisa, e passa-se a desviar os recursos que melhorariam a saúde pública (ou a educação) para o bolso de empresários. Enquanto isso, o sistema público definha e abre passagem para o nascimento e fortalecimento do mercado rentista. Enquanto o lucro for bom, ficam; se não compensar, fecham – como fazem com escolas nos Estados Unidos.
O impacto do custo (fundamental na geração do lucro) é diluído aumentando-se o número de alunos atendidos ou o custo-aluno que o Estado paga aos investidores para cada aluno matriculado pela OS. Claro, não faltam as que informam ao Estado o atendimento de um número de alunos maior do que na realidade atendem. Essa também é uma das fraudes recorrentes no sistema de educação americano privatizado.
O modelo de privatização por contrato de gestão via Organizações Sociais completa 20 anos no Brasil com os mesmos problemas que se vê nos Estados Unidos com a entrada dos “negócios” no saneamento de água, prisões, saúde e educação. No Brasil, uma CPI da Assembleia Legislativa de São Paulo está investigando os contratos com OS na saúde, no Estado, mas deverá caminhar na direção de ratificá-los na crença de que é possível aumentar a fiscalização.
“Em São Paulo, um relatório do Tribunal de Contas do Estado enviado à CPI aponta 23 problemas em serviços de saúde geridos pelas OSs, como o descumprimento de metas estabelecidas e médicos em número insuficiente e desrespeitando escalas de trabalho.”
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Mas a estratégia de aumentar a fiscalização e a regulação é pouco eficaz, como demonstrado em países como os Estados Unidos que há muito tempo lidam com o problema. Primeiro, porque o financismo embutido nas Organizações Sociais sempre arruma outras formas de fraudar; segundo, porque se você regula um setor, o financismo deixa de operar migrando para outras áreas menos reguladas, e terceiro, porque para os economistas liberais, a economia não deve ser regulada, já que o que deve valer é o “livre mercado”. Quanto mais regulação, menos eficiência e maior o custo, dizem.
Modelos mais regulados são apenas uma forma de induzir mercado, quando os processos de privatização estão começando. Depois, a regulação vai sendo esquecida ou eliminada. O caso americano, novamente, é exemplar em desregulamentação, agora que o Departamento de Educação está sob comando da bilionária DeVos, amante dos “vouchers” para escolas privadas, de forma a eliminar as “escolas do governo”, ou seja, as escolas públicas.
Caro Freitas, no Brasil, há um aspecto sobre o qual pouco se fala: a realidade das escolas particulares. De fato, a pesquisa em educação está voltada majoritariamente para o ensino público, para as escolas estatais, pouquíssimas pesquisas focam as escolas particulares. Ora, parte-se então do princípio, aceita-se como ponto de partida, que as escolas particulares via de regra oferecem boa educação e bom ensino, simplesmente porque são particulares, porque são pagas. Mas qualquer observador atento verificará que isso não é verdade! Aqui em Salvador, por exemplo, as consideradas “boas” e “melhores” escolas particulares oferecem educação / ensino de péssima qualidade! Salas de aula superlotadas, professores mal pagos e mal qualificados, material didático de qualidade duvidosa, programas pouco relevantes, projetos pedagógicos inexistentes ou voltados para o treinamento propedêutico para o vestibular …. Essa é a realidade da grande maioria das escolas particulares! Qual a importância disso para o debate mais geral sobre a educação brasileira, ou sobre o sistema público e estatal de educação? De algum modo, afora as raríssimas exceções, o sistema particular de ensino no Brasil poderia ser tomado como exemplo da péssima qualidade da educação / ensino oferecidos pelo setor privado, principalmente, desde quando foi também tomado pelos padrões econômicos e financeiros de eficiência e produtividade. Não é muito difícil comprovar isso, basta avaliar de modo adequado como está a maioria dos estudantes oriundos dessas escolas depois de concluído o segundo grau. Basta considerar com seriedade e atenção o quanto as famílias de classe média gastam por fora com “bancas” de matemática e redação para que seus filhos consigam desempenho razoáveis nos exames. Onde a finalidade é o lucro, onde dominam as regras da eficiência e produtividade econômica e financeira, a educação/ensino oferecidas quase sempre é muito ruim!
Tem razão. Para usar a medida dos reformadores empresariais, gasta olhar para o cálculo do IDEB das escolas privadas. Ocorre que para um país que pretende vender tudo e privatizar tudo, não é bom falar da má qualidade do setor privado… abraço. Luiz