Circula pelas redes um vídeo que a TV da Assembleia Legislativa de Minas elaborou com uma reportagem sobre o processo de privatização das suas escolas, através de entrega a entidades privadas, que o Partido Novo está implementando naquele Estado. O projeto implica, inclusive, em delegar à entidade privada a própria contratação dos professores.
É preciso que se tenha presente que estas são políticas fracassadas (veja aqui também), cujo único objetivo é a extinção da escola pública e a criação de um “mercado educacional” com implicações graves.
Quando colocamos algo sob responsabilidade do “mercado”, isso significa que o serviço será prestado segundo uma escala de qualidade (e de preços) e não segundo um patamar único e elevado de qualidade. Significa, portanto, que a qualidade passa a ser “adquirida” na dependência de quanto dinheiro se queira gastar nesta aquisição. Mesmo que a escola continue agora gratuita, no futuro o pai receberá um voucher com um valor fixo para pagar a escola do filho – pública ou privada.
Por exemplo, existem vários tipos de celulares e você compra quanta qualidade cabe no seu bolso. Este é o destino também do “serviço educacional” quando ele passa a ser ofertado no mercado. No Chile a privatização levou os pais ao co-pagamento: o Estado dá um pequeno voucher para o pai e este, se quer uma qualidade melhor de escola para seu filho, tem que colocar seu próprio dinheiro para poder matricular seu filho em uma escola privatizada e de qualidade. Caso não tenha dinheiro, tem que voltar a colocar o filho na escola pública que restou, mas aí, encontra uma escola degradada pela falta de financiamento, pois ele foi redirecionado para as terceirizadas. Eles aprenderam que somente a escola pública, adequadamente apoiada pelo poder público, pode ter uma qualidade elevada para todos.
A privatização é uma forma das elites criarem às custas de vouchers, pagos com recursos públicos do Estado, subsídios para o pagamento das caras escolas privadas onde seus filhos estudam, ao mesmo tempo em que procuram se livrar do custo dos programas de inclusão social no qual a Educação tem papel central. Elas resolveram cuidar de si mesmas e o resto que se dane.
Tal como o tratamento precoce da COVID, estas políticas também mereceriam uma CPI seguida de responsabilização dos governantes pela sua implementação.
É assim que elas começam. Primeiro escolhem algumas escolas para fazer um “ensaio”, medir a resistência e criar algum efeito-demonstração positivo. O investimento para que a experiência dê certo é pesado. Contrata-se, em seguida, uma instituição para fazer a avaliação – é feito um bom relatório que mostra os “grandes benefícios” auferidos na experiência. Generaliza-se aos poucos a experiência para outras escolas, argumentando que o resultado do “ensaio” foi positivo. Finalmente – às vezes simultaneamente – introduzem-se os vouchers e colocam a escolha da escola nas mãos dos pais, ou seja, literalmente, introduz-se a política do “vire-se, toma que o filho é teu”. Está instalado o “mercado educacional”.
Quando os efeitos nefastos aparecem, já é tarde para se tentar recuar. O Chile tenta fazer isso a duras penas. As escolas públicas restantes vão sendo desfinanciadas pela passagem contínua dos recursos públicos do sistema para as ONGs e Institutos privados. A despeito da luta dos educadores, a qualidade da escola pública restante vai piorando por falta destes recursos e descaso das autoridades que, agora, querem privatizar tudo. E como a sua qualidade vai piorando por este descaso, isso vira mais argumento para se advogar por mais privatização.
Cria-se uma espiral de privatização e destruição da escola pública. Com o tempo, a segregação por raça (e até por gênero, no Chile 100 mil famílias matriculam seus filhos em escolas mono-gênero) se instala financiada com dinheiro público, para satisfação das elites brancas; processos de exclusão dos alunos com mais dificuldades de aprendizagem se instalam – eles não interessam, pois derrubam a média da avaliação da escola; alunos com necessidades especiais começam a ser menos aceitos – eles custam mais do que o aluno médio, dão prejuízo; fraudes aparecem no sistema privatizado; uma rede de empresas sub-contratadas e com fins lucrativos se conecta às instituições ditas sem fins lucrativos; professores são improvisados e trocados sistematicamente; onde as escolas privatizadas não dão lucro, as organizações as fecham. Tudo isso ocorre nos Estados Unidos e no Chile. Não faltam relatórios e literatura científica sobre isso (veja aqui e aqui também).
Segundo um Deputado defensor da privatização e entrevistado na mencionada reportagem, a privatização é boa, pois pode-se ter um controle melhor sobre a qualidade do professor e pode-se “demitir os que não são bons”. Para uma mãe entrevistada, é uma experiência válida pois “não é porque não deu certo nos Estados Unidos que não pode dar aqui.”
Como afirma o SindUTE Minas Gerais:
“De acordo com o edital do Projeto “Somar”, todos os servidores devem ser removidos das escolas até o final de 2021, ficando apenas diretor/a, vice-diretor/a e secretaria, sendo esses cargos temporários, já que a Organização Social [Civil] ainda avaliará a permanência desses profissionais na gestão.”
Este é o exemplo cabal de que o Estado faz política pública com soluções que além de não terem evidência empírica positiva, têm evidência empírica contrária – como é típico na reforma empresarial. Não é ciência, é fé no livre mercado.
Vão destruir a escola pública em nome da fé no livre mercado. Vão destruir o magistério junto, criando instabilidade profissional, pressão e descrédito, passando a ideia de que a culpa pelo desempenho inadequado das crianças é dos professores: para estes “especialistas em educação” só existe uma variável responsável pela qualidade da educação: o magistério. Tudo o mais (condição de vida, financiamento, infra-estrutura escolar, qualificação deficitária agravada agora pela nova resolução do CNE 02/2019 sobre formação de professores, e outras – não existe.
Ainda há tempo para se salvar a escola pública, se o neoliberalismo for detido em 22. Bora resistir…
Excelente análise! O Brasil já está realizando seus “experimentos” e tem o respaldo dos recentes Atos Normativos do CNE, incluindo as matrizes para a formação de diretores.
“Bora resistir”, como nos sugere o Prof. Freitas.
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